O som das águas lentas é um livro de Xosé Lois García publicado em 1999 por Campo das Letras, dedicado aos azulejos da estação ferroviária de Caminha. Esgotada nas livrarias desde há tempo, agradecemos ao autor o envio dos poemas e as fotografias com as que dialoga cada texto para serem publicadas na revista Palavra Comum. Continuamos com a segunda entrega da série, consistente em 6 fotografias e poemas, até completarmos as 22 composições conjuntas do trabalho, durante as seguintes semanas:
VII
O verão vos proclama nas espigas,
porque os frutos necessitam a moldura
lúgubre e simples do coração.
Por vezes o coração fica pequenino
e apenas faz o que manifestam as pálpebras,
porque livre e atenta é a olhada
nos rostos erguidos frente à eira
que procuram trocar de conquista
quando a angústia nos perfis oscila.
Precoce é o solstício nos domínios dos espigueiros
para que as moças submetam
o perfil da terra a tudo o que lhes é negado.
Morre o pão sobre a pedra
e é preciso que continue crescendo
no tempo que resta de verão.
VIII
Calmas são as barcas que desenham a tarde
em rostos submersos para que fiquem no poema.
As águas continuam lisas nos cais,
como palavras longínquas
que devoram a amplidão das sombras.
Em Caminha, uma força habita os gestos
e as paredes são feitas de neve,
porque é preciso conhecer o destino da terra,
possuir esse monte que fica atento
na luminosa veiga do Rosal e de Santa Tecla.
IX
O coração adormece na alta torre
uma vez frio, outra vez quente;
sobre qualquer janela
fica a dor da gente,
no vidro molhado e na branca parede.
Os rostos matinais
envoltos vão no parêntesis do tempo
ou nas pedras que resistem ao presságio
no longo caminho que nos assiste.
No cimo da torre o sino
que o relógio dita os sons
e algo muda sozinho: são as horas
fecundas na saudade das coisas.
X
Pararam as rodas, a espiral continua
porque tu, mulher, és o centro
onde tudo se submete ao repouso
e ninguém pode entrar
na matéria do silencio sem a tua vontade.
Na erva matinal o tempo deve ser aéreo
porque tudo cresce e fica imenso
e a voz se prolonga em muitos ais
na ceifa de prados verdes.
As minhotas vacas de Barroso
também repousam os cornos maduros
na inclinação da matéria celeste
onde o rigor deste ofício
impõe tudo ao que resta de verão.
XI
Quando as paródias não se multiplicam
pelo contágio triunfal dos lábios,
os arcos unificam a voz em grito
da alegria das peixeiras.
Algo dói no derradeiro eco que se sente,
como se o ar mordesse, como unha fera,
a súplica das bocas que não têm final.
Horizonte de asas para a solidão do chão,
tudo é tão lindo para os amantes
que os arcos já devem ser de turbilhão.
XII
As margens sustentam a barca
que morre lentamente
no clamor dos lábios gelados do remador
e a ponte bebe o rumor da água
sob as olhadas breves
dos que passam para além
festas terras com vestígios de sol.
As pontes são frágeis, igual às aves,
como lâmpadas que cruzam e cruzam
todos os seixos na foz do Minho,
onde agoniza alguém na dança dos sargaços
que vós não podeis sustentar.
Mas que seria do mar
sem o vosso simplíssimo tacto?
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