O som das águas lentas é um livro de Xosé Lois García publicado em 1999 por Campo das Letras, dedicado aos azulejos da estação ferroviária de Caminha. Esgotada nas livrarias desde há tempo, agradecemos ao autor o envio dos poemas e as fotografias com as que dialoga cada texto para serem publicadas na revista Palavra Comum. Continuamos com a terceira entrega da série, consistente em 6 fotografias e poemas, até completarmos as 22 composições conjuntas do trabalho, na seguinte semana:
XIII
Pressentimos as gargalhadas medonhas
e o pesadelo que multiplica os passos
na escuridade dos perfis.
Construíram-te para esconder as dúvidas
dum demiurgo desvairado
quando era o assombro dos deuses.
No verde da aflição repousa o dólmen
e os fantasmas passam alegres
com o furor antigo do que fica de nós.
XIV
As pálpebras não podem fingir ao vento,
no portão da galilé
quando a tarde se inclina
na nudez dum adeus.
A dúvida já tem outro domínio
nas cinco colunas de gume
e nas súbitas margens que procuram o branco.
Começa outra litania em campo raso
e acapela cresce e tudo o que tendes sonhado.
XV
Dispersos gestos femininos
conquistaram o mar na ausência das mãos
e convocaram em surdina
o sangue que nasceu fechado
pelo fascínio do rio.
O castro de Santa Tecla procura o turbilhão,
ou o calafrio que vibra no prodígio
reencontrado nas tardes de Caminha.
Ao mar, ao mar! À procura da esfinge
no mais exaltado delírio,
nos limites das faces.
XVI
Pouco sabemos da agilidade do granito
partindo das delicadas rochas do Minho
ser eterno nas linhas que perpetuam um espaço
onde a luz transita com harmonia
a lentidão que ilumina minúcias lisas
tão puras, sossegadas e simultâneas
que fazem do cimo um túmulo aberto
para consumir a combustão dos ciclos.
A solidão do mundo em mudança
não te permite crescer por cima da folhagem
porque és dum tempo cinzento
extraviado no silêncio das lanças
ou na profusão de qualquer recato.
Bem hajas estar vertical em cada têmpora,
porque o fulgor das coisas te desvelam
mas não precisas de mais palavras,
de mais enigmas para continuar em equilíbrio
neste reino de gente antiga,
modelada pela obscura angustia
que se prolonga na melodia do tempo.
Quase queria possuir-te e abrir janelas,
pôr-te vidros para segregar a história
que impuseram no comum desta terra.
XVII
A voz ergueu a pedra antiga
no espaço e cada mão;
as mão retraem-se
entre água e carqueja,
para que a música nasça
em linhas simétricas
e nos olhos frágeis das crianças.
A porta crescia ainda mais,
a árvore também crescia
e tudo era imenso
nesta capelinha memorial.
XVIII
Coragem. Só coragens procuram
para as redes que nascem
nos vossos olhos proclamados
pelas ondas e para as ondas.
Pescadores de súbitas esperanças,
o Minho passa comovido
com o grito que tacteia a Terra comum.
Algo se engendra em nós
com o vosso alento.
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