Falar dos Gallotones é fazer um exercício rememorativo de abrir os tímpanos para ouvir uma voz antiga, elegíaca, que expressa o tempo e o amor, onde tudo é evocado, pensado como se fosse um espaço de afectos intermináveis.
No repertório do grupo, o amor é o louvor da força vital que sustenta os momentos mais marcantes das estórias do quotidiano moçambicano. A excelência do bandolim de Ximanganine em peregrinação perfeita com a voz de Abílio Mandlhaze (vocalista e líder da banda entre 1963 e 1995, ano da sua morte).
Com uma maturidade vocal sofisticante e refrescada pelo tempo, os Gallotones valem por si em cada música interpretada de forma doce e colorida. Os seus vocalistas (de Abílio Mandlhaze, António Marcos, Aurélio Mondlane a Pedro Tchau), espelham uma colecção de emoções, desejos, uma proeza mais rara no panorama musical moçambicano. Vozes que soam de forma nostálgica sempre a pensarem em quem as escuta.
Em canções como Juro Sinceramente, Papaiane, Ulava Ni Tisunga, nota-se uma luxuosa transposição de sentimentos, de forma quente, frágil, comovente, sensível, como uma flor-delis para o ouvido ouvinte. É, sem dúvidas, uma das melhores bandas, que consegue nos servir a face mais visível da música moçambicana, ao trilhar as geografias íntimas da beleza de cada canção.
Acima de tudo, diga-se, nestas canções assenta um ambiente “inovador”, cheio de harmonia, que nos faz viajar para outros lugares, na contínua procura de um destino insulado e na descoberta desta desmedida paisagem, “a moçambicanidade”. No panorama da música moçambicana, os Gallotones são os únicos que têm um bandolinista, Ximanganine, à altura dos arranha-céus e é pela sua altivez que lhe é conferido esse incessante poder mágico e poético, que cria uma solenidade lírica, sedutora e religiosa mediante um envolvimento frenético com as batidas da mararabenta, o que confere às suas canções uma total originalidade, um diálogo inconfundível, onde cultuam os acordes do itinerário humano, a vida, o amor, a morte, o tempo.
A POÉTICA DO DIA-A-DIA
“ Ainda bem que já não ardem as
fogueiras. Ou será que continuam
à espera de quem as volte a
acender”, Amadeu Ferreira.
Quando se anda pelos subúrbios da cidade de Maputo, concretamente nos bairros da Mafalala, Chamanculo, Maxaquene, são inúmeras as imagens de famílias a viverem no limiar da pobreza, mas felizes mesmo com lágrimas no rosto, esta visão amarga de uma realidade desprovida de afectos, situa-se numa ponte movediça entre o amor, e a incerteza. A título de exemplo temos esta vivência-comovente-música que é um espelho partido de uma relação amorosa já desgastada pelo tempo:
Ulava ni titlhaya u ta tsaka…..
Ha holele mamã
Ulava ni tisunga u ta tsaka…….
Ha holele mamã
A tirho wa wu siku wa lunga……
Ha holele mamã
Eis o percurso de um casal numa paisagem em transição, para os seus derradeiros momentos, onde a relação fica azeda, a mulher já não tem tempo para o marido, e em contrapartida o marido assume a sua insatisfação, proclamando desta forma, a derrota e submissão ao amor não correspondido, chega até a perguntar se é desejo dela a consumação do suicídio para ela ficar feliz. Esta canção melancólica, sombria, reflecte a intimidade de uma relação amorosa a beira do colapso, é o momento poético, comovente, das vivências de várias famílias moçambicanas. Ademais nota-se uma visão cinemática, como se estas melódicas palavras fossem um vídeo na tela do tempo.
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