Martha Medeiros já deve ter falado sobre o assunto, já digo do quê. Eu fui ao cinema com um amigo e ainda na fila com um balde de pipoca não perdemos a oportunidade de ter um breve papo sobre pessoas inexpressivas, gente que não consegue mudar com nada. Que não permite a flexibilidade. Nem tínhamos entrado na sala do cinema e a nossa pipoca já estava menos da metade, quase acabando. Interrompemos nossa conversa lá dentro, pouco antes do filme começar. É claro que não dava para papear durante a sessão, coisa que muita gente faz. Terminado o filme levamos nosso lixinho para descartar na saída, não sem antes saber pelo meu amigo que o resto da pipoca que não estourou chama-se piruá. Isso eu não sabia e aposto que muita gente também não saiba, mas é piruá mesmo.
Fico impressionado ao fazer uma reflexão e perceber como tem muita gente piruá neste mundo. Gente que nem com o calor humano demonstra emoção. Que não chora, não sorri. Conheço pessoas que até pra morrer são ociosas. Se um voo cair é capaz delas nem se darem conta de que estão prestes a se encontrar com a morte. A Síndrome de Gabriela atinge muito mais gente do que você imagina “eu nasci assim, eu cresci assim e vou morrer assim”. Já falei em outras crônicas sobre o prazer e a satisfação que é mudar. Pode ser difícil essa mudança, mas necessária. O que nos diferencia dos outros seres é ter a consciência de uma vida breve. Sabendo dessa finitude, não nos resta muita coisa a não ser viver.
Prefira a agitação da vida à inércia. Gosto de gente decidida, gente que não tem medo de assumir o riso de não ser feliz, que com vibrações celebra a vida. Gente que sabe dizer quando não está gostando, mas que sabe elogiar na hora certa. Gente que roda a baiana quando está sendo trapaceada, quando está infeliz no emprego. Prefiro conviver com aqueles que vivem sem se importar com o medo de ser ridículo. Gente feliz de verdade é autentica, tem vida interessante, mesmo sendo no anonimato. A vida tem suas nuances, cada pessoa tem suas peculiaridades. O que não vale é ser piruá, que não serve pra nada, gente dura, rígida, que não evolui, não cresce, não vive.
Conheço muita gente que aos sessenta estão vivendo sua melhor fase, experimentando outros prazeres que a juventude não os permitiu. Estão aventurando-se com responsabilidade em um novo amor, num novo esporte, tendo novas emoções, fazendo viagens que jamais fariam sozinhos. No final é isso que vale: ter tido uma vida, talvez não de sucesso acadêmicos ou troféus pendurados na parede como recompensa, mas ainda assim uma vida cheia de experiências bem vividas. Viver é poder olhar para trás e ter o orgulho de ter se permitido mergulhar no caos e ascender à glória daquilo que nos foi presenteado: o dom da vida.
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Kerley Carvalhedo é escritor, cronista, roteirista e diretor de teatro, compartilha com o leitor sua visão sobre cultura e comportamento humano por meio de crônicas e poesias, cujo estilo rendeu-lhe premiações e reconhecimento pelo país. Integra coletâneas em Brasil, Chile e Portugal. Seus textos já foram publicados em Revistas, Livros, Blogs e Jornais. Autor dos livros: Há Tanto Tempo Que Te Amo, É Preciso. Atualmente é colunista do jornais: DiárioRS(RS) e da Revista MKLAY BRASIL.
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Fotografia: “Rocha+água= Areia”, por Eduardo Ribas (Serantes – Ferrol, 1954).
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