“O que é o homem na natureza? Um nada em relação ao infinito, um tudo em relação ao nada, um ponto a meio entre nada e tudo”
Blaise Pascal
Quem é, onde se reconhece o poeta na sua natureza? Quem, nesse denso caminho entre “um ponto a meio entre nada e o tudo” e onde, esse tão humano todo enquanto ser em madrugada? Onde e quem é o poeta que apenas na sua inquietude reclama? Tudo e nada, ou seja, aquele que reclama no seu diálogo, na sua viva e desperta voz, o infinito!
Tão infinita, tão interior (e tão concreta essa geografia!) a textura da palavra que acontece pela mão deste poeta, Lino Mukurruza, que não descreve ou delimita: dialoga! – Propondo mundos, outros “olhares ao mundo” na sua escrita singular, como essência na sua poesia «na alma / nem todo o vento / sopra na igualdade / na calma / nem todo o tempo / se repete de verdade» e tão fundamentalmente, dialoga: em Almas em Tácitas pressente-se a solidez desses “tempos dentro do tempo” de que se compõe a soma dos muitos infinitos da palavra, uma tensão que tanto desconcerta quanto harmoniza o “eu” diante da matéria do poema, sem que haja a urgência duma ruptura de formas ou ritmo no seu todo. Manifesta é, acima de outro propósito, a busca e diálogo, a persistência do poeta nesse universo intrínseco que é o da busca do “mínimo segredo” que possa transbordar do corpo, da presença feminina nesse “tudo e nada”, nesse vasculhar o infinito que na poesia de Lino Mukurruza tanto é representado pelas suas imagens atemporais (a ilha, a margem, a árvore) «existe um Xuanga / na pupila do verbo / onde na margem / reina um rio / o areal / no espaço de um corpo / mergulhado / igual a âncora que nele afunda / no fundo distante da alma», como na perseverante reescrita do mistério e revelação, “feminino” que urge encontrar, buscando (no corpo, no adorno simbólico desse mesmo corpo, no despojo desse mesmo adorno) a «mesma tessitura / frágil com as mesmas persianas / que se abrem ao dia escuro com luzes / encardidas aos ventos / nocturnos e do ar pálido na alma / semelhante a mim / quando / exposto / a qualquer nudez». – Universo implícito ou calmo? Sem necessidade de voz ou apenas velado, que universo este, o de Almas em Tácitas, ainda assim? – «talvez seja no escuro / que a imagem resida», clama o poeta.
Deste mesmo poeta, de Lino Mukurruza, podiam-se reclamar heranças, comparar estilos ou inscrevê-lo em espaços por inventar, mas como se escreveu noutro lugar, “todo o poeta tem em si a pluralidade do ser inscrito no tempo”, de ser único e singular, ainda que as suas homenagens neste volume (a Eduardo White dedica um momento de rara singularidade, bem como a Osvaldo Caetano ou ao baiano Roberto Leal) revelem as suas afinidades poéticas, os territórios da sua caligrafia interior. Contudo, e o que é mais e nunca demais realçar é o seu domínio da palavra, único, a sua proposta poética, firme: a originalidade e a coragem deste Almas em Tácitas, e do seu autor, vão ainda mais longe, que no presente volume revela um notável e rigoroso empreendimento literário que por certo marcará a literatura contemporânea de Moçambique.
E nós, os leitores? Congratulemo-nos com este momento de rara intensidade poética que nos traz Lino Mukurruza no presente volume!
Bizarril, Portugal, 8 de Janeiro de 2015
Breve Leonardo, do Prefacio “Almas em Tácitas” (Lua de Marfim, 2015)
You might also like
More from Lino Mukurruza
Prefácio do livro «Em Ínfimas Galáxias do Sentir», inédito do poeta moçambicano Lino Mukurruza, por Dionísio Bahule
PREFÁCIO Os Intraduzíveis MODOS da palavra Poesia. “Mostrem-me um homem/ que não haja transgredido/ e eu direi: Eis, um homem vulgar/ porque …
[poema do corpo ainda por descer]
[poema do corpo ainda por descer] é um texto poético em prosa de Lino Mukurruza.