Participação de poetas da Galiza no VII Festival Internacional de Poesia de Xai-Xai, Gaza, Moçambique
Primeira Crónica desde Xai Xai: a chegada
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A cidade de Xai-Xai é um dom do Limpopo no que medra a poesia. Ali viajamos na estação seca, para visitarmos o Crocodilo, o seu senhor e ser por ele aceites na amizade da família Xitendiana, pois contam as histórias que o réptil tem o espírito de um antepassado que apenas respeita às suas gentes.
Foi a Associação Xitende a que nos convidou para participar no VII Festival Internacional de Poesia, com o escritor português Samuel Pimenta por padrinho, embora, como sempre acontece, a história tivesse outras histórias e o encontro da Galiza com Xai-Xai estivesse prometido desde anos atrás.
No ano 2016 Lahissane (Maputo, 1987) e José Estévez (Guntim, 1954) co-editaram a antologia Galiza-Moçambique Numa Linguagem e Numa Sinfonia, na que se publicaram, entre outros, textos de poetas da Associação Xitende, como também de Alexandre Brea e de mim própria, desde a Galiza. Aquele encontro dera lugar a um chamado ao Alexandre Brea para participar em anteriores edições do Festival Internacional de Poesia de Xai Xai, que por causas diferentes não se efetivou. Foi já neste ano quando o escritor português, e galego de afetos e solidariedades, Samuel Pimenta, convidado pela Associação Xitende, decidiu propor os nomes da Concha Rousia, do Alexandre Brea e o meu para esta VII edição do Festival. Chegou então convite assinado por Deusa d’África e para dar a uma Deusa e para dar a África, apenas existe uma resposta. Foi assim que as nossas mentes e os nossos peitos aprenderam o nome de Xai-Xai e localizaram Gaza e Moçambique nas geografias próprias, nos trâmites, nas vacinas e nos sonhos.
Foi assim que na sexta feira, 21 de abril, saímos três poetas desde a Galiza, rumo a Lisboa, onde nos encontramos com o escritor Samuel Pimenta e de Lisboa voamos a Luanda, onde a companhia cresceu com o professor e escritor Gustavo Rückert, que chegava desde a cidade brasileira de Pelotas e desde a sua universidade.
Conversando, no aeroporto 4 de Fevereiro de Luanda, tinha nascido o sábado para 5 pessoas que sentiam numa língua e comprendiam os sentires nela cifrados. Estávamos na África, a nos movimentar num aeroporto no que a fala das avós habitava e compartilhava espaços com o companheiro chegado da América. Teciam-se laços nesta fala comum, num território que promete, segundo contam 335 milhões de pessoas com as que poderemos falar, sem mudar de idioma, no ano 2050… E continuávamos!
A chegada a Maputo desenvolveu-se entre trâmites de vistos, anedotas e encontros, incluída assinatura de livros a polícias de fronteiras, polícias a gostar de poesia! Chegávamos a um mundo no que as presas são com calma, no que as câmaras de fotos dos aeroportos não estavam preparadas para fotografar cabelos lisos, no que os ritmos, as palavras, os sorrisos se abriam para o Índico, ora, também chegávamos a um mundo que era o nosso e no que os abraços da poeta Deusa d´África, do filósofo Abel Cossa e do tradutor Khutso Mashego da gente Mapulana da África do Sul, tiveram o mesmo sabor da amizade que os que conhecemos nas nossas terras atlânticas.
As ruas de Maputo são um contraste de muitas histórias e de muitas vidas a ocuparem o mesmo espaço: telhados de telha a conviver com telhados de zinque. Passamos por ruas e praças, chegamos à Praça da Independência e percorrimos caminhos que nos levaram a “postinhos de fruta” que constantemente me lembraram o que nas décadas dos anos 30 e 40 do século passado tinha a família de Luz Fandinho em Compostela. As vidas vão e vêm, só fica a humanidade.
Fomos comer num restaurante indiano, repleto de pessoas, no que uma família comemorava um aniversário com torta de bandeira argentina e foto de Messi: a globalização é um facto nascido das propagandas dos poderes que abalam o mundo.
África existe dos dois lados da fronteira que convivem e entre os que as pessoas se deslocam para participarem do fogo cruzado entre a palhota e os arranha-céus, a kapulana e as calças de ganga, os casinos e os bares.
Era noite – escurece sobre as cinco em Moçambique- e mais de três horas de viagem nos esperavam, caminho de Xai-Xai, um tempo que nos ia a levar a realidades para nós insólitas e a belíssimos risos partilhados.
O primeiro surpreso foi a descoberta de viandantes a compartilhar estrada com os carros, de carros quase a compartilhar faixa uns com outros, as múltiplas paragens da polícia… e após o susto, a festa. Noite do sábado todas as pessoas vão para a rua, multiplicam-se bares, músicas, cervejas e o mundo é alegria. Aí nasceu, por primeira vez o pensamento de que estávamos no momento ideal, no lugar perfeito, com pessoas maravilhosas. Tínhamos saído de casa 36 horas antes, de Compostela a Lisboa de carro, de Lisboa a Luanda num avião, de Luanda a Maputo em outro avião, de Maputo a Xai-Xai, de noite, por estradas que nem imagináramos, não tínhamos mudado a roupa… e tudo era perfeito! Quando as pessoas se compreendem e o mundo pode-se sentir, tudo é perfeito, e se a cerveja é boa… (A cerveja é magnífica em Moçambique).
Desde o primeiro contacto, o relacionamento com a Associação Xitende e com o a Presidência do Conselho de Xai-Xai tinham sido encontro, ajuda, amizade. A Deusa d’África fora passando do plano dos correios formais, ao dos correios menos formais, ao das mensagens de whatsapp, ao do grupo de whatsapp, mas agora estava, era, junto a Abel Cosso e ao nosso primeiro motorista, Fernando, e a função protocolar harmonizava-se perfeitamente com a proximidade humana.
Assim chegamos a Xai-Xai, a sonhar o rio entre a escuridão (“O nosso amado Limpopo, tão belo e tão terrível, o das cheias que mergulham a parte baixa da cidade nos meses de chuva”, apresentou a Deusa), a escutar o Índico sob uma lua que olhava para o lado contrário deste norte, umas estrelas que deste lado do mundo são veladas, a saudar a Cruz do Sul desde o restaurante da praia no que fomos recebidos por Emídio Xavier, Presidente do Conselho Municipal de Xai-Xai, com um discurso de braços abertos. Também fomos recebidos por um delicioso jantar de mariscos nascidos no Índico, abraçamos o poeta Lahissane, encontramos boas pessoas chegadas do Brasil: a professora Vanessa Riambau Pinheiro e o professor Sávio Freitas, da Universidade Federal da Paraíba conversamos com pessoas que contavam de maravilhosos projetos e soubemos -como não!- da existência, no mínimo, de um galego que morava na cidade.
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