Saía todos os dias para trabalhar cruzando a porta da sala de estar. Girava a chave que sempre dormia enfiada na fenda quadricular da fechadura. Segurava a maçaneta de alumínio escovado envolvendo-a com a palma e os dedos da mão direita, cerrando o punho sobre o metal gelado, pressionando-a levemente para baixo. As engrenagens deslizavam suaves, lubrificadas, ouvia apenas um som muito baixo, quase um murmúrio, da lingueta se recolhendo. Abria a porta.
Na manhã do dia em que faltou ao serviço girou a chave que passara a noite dependurada na tranca, mas ao agarrar a maçaneta sentiu que envolvera a mão direita nas carnes de um pênis flácido. Soltou ligeiro. Olhou assustado para onde há pouco estava a mão e viu a fria peça de alumínio escovado.
Tentou mais uma vez executar o cotidiano movimento de alavanca, mas o órgão não oferecia a resistência necessária para acionar o aparato de destravamento. Apertou com mais força; a pele e as carnes espremeram-se para fora dos dedos. Soltou a maçaneta com profunda frustração. Não iria ao trabalho.
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Henrique Komatsu nasceu em Pereira Barreto/SP. Formou-se em Filosofia pela UFPR e em Direito pela UFMS. Publicou pela editora Confraria do Vento o livro infantil “A Menina que viu Deus” e o livro de contos “Ototo”. Em 2019 teve um conto traduzido e publicado pela revista “Manoa” da Universidade do Havaí/EUA em volume dedicado à literatura brasileira contemporânea. Recentemente realizou uma residência literária em Rianxo/Espanha a convite da Editora Axóuxere, do Concelho de Rianxo e da Deputação da Corunha. O presente conto foi produzido durante a residência na Galiza.
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Nota: A imagem exibida acima foi publicada na primeira página da revista “La Révolution Surrealiste”, nº 8, Dezembro de 1926, dirigida por André Breton.