“leia-me… com tesura e vontade,
devagarinho com a língua…”
Desejo – acorde um verso
Sou desses que vive se apaixonando, que ando facinho pra conhecer novas prosas, dessas que a gente fica curioso, quer ter sempre pertinho, que viram desejo, vontade de namorar. Prosa é beijo na boca, é sintonia, experiência aberta, que flui e impulsiona intimidades, é primavera, e quando essa linguagem se desenvolve permite a poesia, o sexo.
Prosa é quando a gente lê um livro, dá um selinho e não sente mais vontade de repetir, é conhecer, ficar, é mais uma leitura, já a poesia é quando o livro é lido mais de uma vez, quando o selinho vira fervura, a gente faz amor com as palavras e procura mais da fonte, entra no labirinto, se arrepia, cheira as páginas, cria intimidade com o estilo.
Transar com a obra de alguém é namorar a linguagem, no sentido mais amplo, é troca. É quando sentimos tesão pela leitura, no diálogo com certa poética, que trança nossa atenção e a gente não larga por nada. Isso é mergulhar na arte, na fantasia, ou melhor, na poesia, no campo do segredo e do enigma. Cada beijo a seu modo, cada transa a seu ritmo.
Foi assim que nadei até Cabo Verde, guiado pelos ventos de pedra salgada de Corsino Fortes e Vera Duarte, onde visitei a Cela I no triste Campo do Tarrafal e troquei sentimentos de liberdade com o mestre Craveirinha de Moçambique. Depois, me acheguei em Luanda e senti que a esperança de Agostinho Neto é tão sagrada quanto os solanos cantares de Trindade, ainda saboreei os frutos amargos de Paula Tavares, contei pirilampos com o camarada Ondjaki e me enamorei com os livros do Pepetela, me perdendo na floresta de Mayombe, bebendo da Montanha da Água Lilás enquanto ouvia a Parábola do Cágado Velho.
Ultimamente ando enfeitiçado pela obra de Chimamanda Adichie. Primeiro, uma amiga me emprestou um livro, li com gosto, salivei e fiquei ouriçado pra repetir esse abraço. Numa viagem, achei um livro dela de contos e comecei a sentir o cheiro dessa prosa de longe. Na volta, lá veio sua narrativa me roubando a atenção e chamando pra chamegar. E agora, na fissura de trocar carícias, comecei mais um romance, entrosado com os desejos que essa literatura me causa.
Quando terminei de ler Hibisco Roxo, além do enredo fera, saquei que em várias partes tinha um convite pra ouvir Osabede. O “músico socialmente consciente”, batizado assim por Amaka, prima da protagonista Kambili. Fiquei só esperando terminar pra saber quem era o tal. Num deu outra, terminei o dia dançando Stephen Osita Osabede com a pequena Yakini, fazendo batalha de coreografias “vai pai, agora é sua vez…” e foi assim que Hibisco Roxo me tirou pra dançar.
Ficar a fim de obra de alguém é diferente de ser fã, tietar, querer autógrafo, de desejar a pessoa, é paquerar pela arte. O que fica é o prazer da narrativa, a paixão pela criação, a instiga pelas palavras, e assim meu desejo pulsa, é úmido e floresce.
Gosto de sentir o tesão da linguagem, as idealizações poéticas, da sensação de flertar com o livro que eu sentir vontade, mesmo apaixonado por outro. Na arte cabe a moral, é fato, mas seja criando, contemplando ou transando uma obra, a tendência é se lambuzar na contramão. Minha leitura é livre, já sigo cheio de imposições, crenças e respeito pela ética humana, mas na literatura quero beijar e se emaranhar com as palavras que eu bem entender, quando eu bem entender, pra continuar mantendo viva a chama desses segredos em mim.
NOTA DA PALAVRA COMUM: a fotografia do autor é de Sonia Bischain.
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