As redes sociais e todos os algoritmos que vão sendo criados a este respeito: maximizam a eficácia, potenciam os encontros, aumentam a possibilidade de consumir. Esquematicamente: pesquiso algo num motor de busca que comunica com a rede social e passo a ter publicidade relacionada com o que mostrei interesse; gosto de algo tenho logo diversas sugestões de páginas ou de grupos relacionados com o acabei de gostar. No Caso das redes sociais relacionadas com encontros amorosos ou simplesmente sexuais o negócio é ainda mais mecânico: sou homem, tantos anos, interessado em mulheres, casadas ou não casadas; para troca sexual ou algo mais.
No que diz respeito à esfera informática estamos perante dos sistemas de recomendação. Algoritmos matemáticos que automaticamente fazem essas sugestões. O interesse imediato é claramente mapeável: a publicidade torna-se mais apetecível, o consumo é muito mais provável, o encontro sexual ou romântico muito mais eficaz. Mas tudo isto com base em mecanismos não humanos. A possibilidade de desencontros continua a existir de uma forma que ainda estamos a perceber.
O desejo é assim imediatamente satisfeito. A sua procura é cada vez mais curta basta apenas uma palavra-chave num motor de busca ou então um perfil preenchido rapidamente: os programas informáticos tratam da procura e prontamente bombardeiam as suas sugestões. Uma sensação de omnipotência acaba por advir: eu posso tudo, tudo é igual a mim. A omnipotência dispensa-me do ato basilar de pensar, requisito essencial de quem procura e de quem tem tempo para decidir sobre o que achou é realmente um final do caminho ou necessita ainda outra demanda. Nada disso: os programas fazem mais esta esta e aquela sugestão – é um procedimento infindável.
Não é só o que procuro como consumidor ou a parte sexual ou amorosa: os sistemas informáticos sugerem amigos, pessoas com quem vou ficar vizinho nas redes sociais, tratam dos meus gostos e detetam os meus comportamentos rotineiros. Atrás desta eficácia há a desarticulação e diluição de muito do que é humano. Interroga-se Guardini em O Fim da Idade Moderna (Edições 70, p. 61):
«Porque uma vez que o homem é o que a experiência faz dele – o que acontece se os seu atos deixam de poder ser objetos de experiência? A responsabilidade depende da unidade da ação; de fazer com que o ato objetivo ascenda à apropriação moral – mas o que se passa então se o processo já não é concreto, mas antes se dispersa em fórmulas e aparelhos?»
Os aparelhos a que Guardini (1885-1968) se refere não eram capazes de fazer a centésima parte do que são os dispositivos a que me refiro. Os sistemas de recomendação, os seus algoritmos e as suas aplicações nas mais diversas redes sociais, motores de busca e outras plataformas informáticas acabam por matar o Outro. O Outro passa a ser um simulacro de mim mesmo: só me é apresentado, só fica meu amigo nas redes aquele que tiver interesses em comum, aquele que for como eu.
A eficácia destrói a diferença: a opinião contrária é menos provável de ser encontrada, todos parecem concordar comigo e com a minha visão do mundo. O Outro é realmente assassinado. Aqui, por que se trata até ver de um assassínio simbólico, uma outra dissociação: eu estou salvaguardado pelo meu ecrã, estou para além das consequências dos meus gestos. Posso insultar, dizer que a pessoa se devia enforcar ou não escrever nem mais uma linha – não serei responsabilizado por nada disto.
Leiamos os comentários aos artigos de opinião de grandes jornais: a selvajaria é de pronto constatada – pessoas a insultar os cronistas, a insultarem-se entre si. O Outro que é diferente de mim e com quem tenho de aprender a relacionar-me, pondo em questões partes de mim, não existe de todo. Daqui ao furor internáutico, o passo é pequeno: histerias coletivas, furores que ignoram os diretos humanos mais basilares.
Como tornar todo este espaço mais consequente?
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Rui Tinoco é Psicólogo clínico e escritor
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