REPENSANDO O PODER
O poder nas sociedades de matizes tem suas manhas. O próprio excesso de matizes, pessoas utilizando as redes, faz com que estas redes possam entrar em colapso pelo número imenso de postagens. Esta é uma importante questão. Um outro poder surgiu no próprio bojo das redes sociais. A palavra algoritmo (sequência finita de regras, raciocínios ou operações que, aplicada a um número finito de dados, permite encontrar passo a passo uma solução) salta para um primeiro plano, tanto nas relações nacionais, como nas internacionais. Portanto, é impossível que todos os matizes se comuniquem entre si em sua totalidade o tempo todo e em tempo real. Assim, surge um outro poder. Ele está nas mãos daqueles que controlam as redes. Há necessidade de se criar filtros, ou seja, o que vai ser direcionado para uma pessoa e o que não será direcionado. Esse é o poder daqueles que criam os critérios algorítmicos. Quem são eles? Falam por quem? O antigo conceito de algoritmo que existe desde a antiguidade ganha uma hiperdimensão e se torna um conceito e uma palavra-chave da maior relevância no século XXI.
O que entendemos como algoritmo em nossa sociedade contemporânea com todos os avanços tecnológicos? Levando em conta a conexão ciberespaço e algoritmo, poderemos perceber que as repetições que ocorrem nos comportamentos subjetivos e grupais podem ser captadas e uma possível interpretação de seus elementos constitutivos é passível de uma leitura. Evidentemente uma leitura é possível, isto oferece grande poder a quem detém estes dados em primeira mão. Os matizes, em suas excessivas produções, são regulados por aqueles que produzem os algoritmos. Isto pode levar à tentativas de controles na esfera do social, mais uma vez a importância do direito para mediar estas situações inerentes a estes novos recursos tecnológicos.
POLIÁLOGOS
Os poliálogos são as novas formas de expressão através das redes sociais. As redes têm um funcionamento complexo, de difícil captação do conjunto de suas informações, daí a importância do conceito de algoritmo e de poliálogos.
Um princípio fundamental da rede é que temos um funcionamento não linear, ou seja, de pessoa para pessoa como temos nos telefones. As redes sociais funcionam de forma exponencial, se eu compartilho uma postagem e marco alguém de minha lista de “amigos” para receber esta mensagem, o que acontece é muito diferente dos modos midiáticos de outrora. Em primeiro lugar, tudo se passa em tempo real. Em segundo lugar, aquele que eu marquei como destinatário da mensagem pode nem sequer me responder; no entanto, podem responder-me muitos outros que sequer os conheço. São pessoas que estão em outras redes com alguma conexão comigo. Isto dá ao poliálogo uma característica exponencial, muito diferente do monólogo e do diálogo. Este tipo de circulação da informação não seria possível sem a existência dos algoritmos, pois sem estes os sistemas fatalmente caotizariam. Isto mostra que este outro tipo de poder sobre os algorítmos é uma questão intrínseca das redes sociais e precisa de regulamentações legais sobre estes quesitos, não é uma questão somente que o usuário faz das redes. Outrossim, os algorítmos são necessários em uma sociedade que funciona com poliálogos articulados em suas redes sociais. Isso aponta para esse novo poder que está sendo produzido e processado no social e na produção das subjetividades contemporâneas. Isto nos mostra a magnitude da questão posta em discussão.
Consequentemente, uma complementaridade surge, com todos esses dados produzidos nas e pelas redes sociais. Os controladores e produtores dos algoritmos podem ficar muito poderosos e manipuladores de aspectos importantes da cultura e da produção de subjetividades, concomitantemente a isso uma sociedade mais solidária também está em seu nascedouro. Temos que levar em conta que uma sociedade complexa não existe sem suas complementaridades e seus paradoxos. Daí a necessidade de leis que permitam a expressão de formas inusitadas de diferenças.
Dessa forma, lidar e produzir leis que levam em conta os paradoxos serão de vital importância para a sobrevivência sadia desta sociedade de matizes que estamos tentando descrever e que está em seu desabrochar. Segundo nossa constatação, esse processo não tem volta. A sociedade em seu conjunto institucional será catalisadora de todo esse processo. Juristas, políticos, professores e todos os cidadãos são partícipes, protagonistas desse acontecer social. Dessa ótica, abre-se um campo imenso para os juristas orquestrarem essa nova organização social quase totalmente por constituir-se. De fato, a compreensão, a apreensão e a possível interpretação dos poliálogos das redes sociais estão se tornando fundamentais para vivermos o século XXI.
AS FAKE-NEWS
Os algoritmos que poderão captar as moções de desconfiança da veracidade e da presença de fake-news ocuparão um lugar preponderante em todo esse contexto. O antigo conceito de algoritmo ressurge no século XXI com outras roupagens e está se tornando a palavra-chave da contemporaneidade. O primordial das questões que estão surgindo é de que forma poderemos nos aproximar das possíveis interpretações de todo esse material que está pulsando nas redes sociais, sem prejudicar o direito de expressão constitucional, conquista do Estado de Direito.
Os computadores e celulares são fundamentais em nossas vidas, atualmente são extensões de nossos corpos e sem eles o nosso século não teria a condição de funcionar. Nem as subjetividades nem as instituições teriam a possibilidade de serem produzidas e de funcionar a contento.
Nesse caldo, uma patologia está surgindo. Uma nova drogadição, ou seja, uma dependência patológica decorrente desses novos dispositivos virtuais. A esse respeito, o seguinte exemplo é significativo: Um casal, negligentemente, deixou morrer de fome o filho ainda bebê, porque cuidava de outro filho virtual em um jogo na INTERNET. O casal sul-coreano foi preso na cidade de Suweon ao sul da Coréia do Sul. O pai de 41 anos e sua esposa de 25 anos foram presos (fazer uma referência). Esse triste episódio transformou-se em um caso criminal e, concomitantemente, abriu a possibilidade de estudarmos essa nova patologia ligada ao universo cibernético. Esta nova drogadição está vindo com muita força e nos mostrando outras facetas desta sociedade de matizes. A autópsia da criança desse caso revelou um período de grande desnutrição. Os pais, simultaneamente, “criaram” virtualmente uma criança de nome Amina. No jogo, eles ajudavam a criança virtual a recuperar memórias e desenvolver emoções. Essa dependência do casal se caracteriza pelo total deslocamento de atenção das pessoas do foco real para o virtual. O foco virtual passas a ocupar toda a atenção em detrimento do cotidiano, que permanece ignorado. Muitos outros casos com patologias semelhantes estão surgindo e outra vez vemos as imbricações médicas e jurídicas.
ALGO MAIS PARA UNIR OS PONTOS SOBRE OS ALGORITMOS
Os algoritmos são os conjuntos de passos que permitem a marcação de repetições que captam hábitos e rotinas, muitas vezes desapercebidos ou inconscientes no bojo do social. A captação das rotinas e dos hábitos mostram o próprio movimento interno das redes. Sabendo disso, conseguimos perceber o aparecimento de novas formas tanto virtuais como reais, que trarão novas perspectivas neste momento histórico.
Tais processos pulsando nas redes através dos matizes, que somos todos nós, podem produzir alterações em nossas subjetividades mostrando a força deste poder comunicacional. Somos seres pulsionais, em constante movimento, a procura de realizações, sejam elas quais forem. Essa procura pode ser inclusive a morte. Portanto, buscas de dimensões de vida e de morte coexistem, levando em conta o pensamento freudiano éros e tânatos (fazer referência à obra freudiana) coexistem e se imbricam, possibilitando novos caminhos. As redes sociais aparentemente nos nutrem de muitas novidades e nos atualizam; no entanto, elas também possuem um caráter extremamente isolacionista para os seus matizes, o que facilita a intensificação no social de patologias narcísicas.
Nesse caldo, uma patologia está surgindo. Uma nova drogadição, ou seja, uma dependência patológica decorrente desses novos dispositivos virtuais.
Como estamos percebendo, as novas funções desempenhadas pelas redes são múltiplas e multifacetadas, indo desde a criação de doenças subjetivas até fenômenos grupais e de multidões, produzindo mudanças políticas importantes, como vimos nas recentes eleições presidenciais no Brasil. Ou seja, o mundo não é mais o mesmo depois do Ose equipara à criação da prensa de Gutenberg no século XV.
O FUNCIONAMENTO DA REDE EM SI: AMARRANDO ALGUNS OUTROS PONTOS
As pulsações nas redes, os inputs dos matizes (pixels), a princípio, podem ser aleatórios e muitas vezes assignificantes. Eles são algumas pulsações (ritmos) de impulsos desejantes ou mortíferos e, em grande parte, de ambos. Milhões e milhões de pulsações, inputs humanos, pulsando no ciberespaço através de seus matizes, são produções muitas vezes caóticas e não mensuráveis. Isso não significa que não estão gerando consequências ainda desconhecidas.
Aí outra vez entram os algoritmos, que, como já vimos, são o conjunto de passos e rotinas que podem ser capturados por essas expressões matemáticas. As redes sociais são muito mais complexas, pois, em seu próprio funcionamento, têm uma inteligência própria ao agrupar as correlações muitas vezes inusitadas e só percebidas a posteriori. Isso demonstra que seu funcionamento é aberto e que os organizadores dos algoritmos não têm o total controle sobre as redes, nem nunca terão. Uma vez disparado o processo, toda uma auto-organização se produz e se atualiza.
Como estamos observando, os algoritmos e os organizadores destes têm os seus poderes. Entretanto, as produções no ciberespaço também possuem suas capacidades auto-organizativas. Com o tempo, o homem também vai se aproximando, mas, também as máquinas vão ficando mais complexas e o homem também…
As expressões dos matizes (pixels), a princípio são caóticas em todo o mundo. Necessitam gerar referências em nosso mundo real para poderem ser decifradas. O caos é uma potência, é um virtual, portanto, para ser decifrado, ou melhor, capturado e produzir algum sentido de linguagem, precisa ganhar alguma possibilidade de significação em um segundo tempo. Se assim não ocorrer, o caos persistirá. A linguagem no ciberespaço se comporta como um organismo vivo, porquanto precisa alimentar-se de inputs e depois metabolizá-los.
Esse é o ponto crucial para entendermos como o universo de informações circulantes no ciberespaço pode ganhar significação, pode mobilizar imensos números de pessoas à ocupar praças públicas e promover alterações políticas. Podem também “cegar” pessoas e promover crenças e colaborar para viciar pessoas a ficarem presas em universos virtuais, como o casal sul-coreano. Tal universo está promovendo patologias que vão alterar a vida de milhões de pessoas e, de forma simultânea, gerando um mundo solidário e melhores níveis de democracia.
DO CAOS ÀS POSSÍVEIS ORDENS: UMA NOVA ERA DE DESCORTINA
Acredito que para abordarmos esses sistemas caóticos que fazem parte do núcleo duro reconhecê-las em um hipertexto como as redes sociais, precisaremos nos ater a três condições básicas que são intrínsecas /extrínsecas a esse hipertexto que estou chamando de redes. Trata-se, na verdade, de um processo no qual somos a rede e podemos enxergar o seu funcionamento, em um mecanismo complexo. Essas ferramentas são referências, consistências e consequências. O que dá a elas a dimensão complexa que eu quero ressaltar? Nos novos paradigmas das ciências pensamos ser impossível ter um observador neutro que analise um objeto sem contaminá-lo com algo de si. Nas redes sociais, nós somos os matizes (pixels) que estamos dando os inputs nas redes e concomitantemente estamos analisando o que se passa nas redes. Essa é sua dimensão complexa. As referências, as consistências e as consequências que ocorrem quando participamos das redes ocorrem em fluxos simultaneamente tanto no interior como no exterior das redes e, assim, a contemporaneidade vai se metabolizando, ou seja, em construções e desconstruções de mundos. Em um mundo em perene movimento como o nosso os algoritmos também são construídos no próprio fluxo combinatório interno das redes. Cabe, portanto, ao homem decifrar e compor narrativas.
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Alcimar Alves de Souza Lima. Médico Psiquiatra e Psicanalista, professor do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Ex-presidente da Associação Psiquiátrica do Vale do Paraíba.
Fotografia de capa por Alcimar Alves de Souza Lima.
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