Cantas veces dos homes aléves,
No trato non recto,
As risas cuidando,
Presentes ingénuos;
Unha dobre palabra ceibada,
Con pérfido intento,
Nos pasa de súbito,
Cal folla de ferro,
Que fora temprada,
Nas augas do inferno!
(Pondal, Queixumes, 1886, p. 205)
Para Dionisio Pereira, com a minha solidariedade.
Eu, no meu lar não grande, na chaira vasta de Castela, rodeado com os meus poucos livros e papéis, ocupado em alfabetizar-me apenas, desenganado do mundo e dos seus falsos discretos, acreditava que já escuitara tudo a respeito da história inexistente da minha pátria; que já se dissera com néscia vaidade e ridículo orgulho tudo quanto era possível como provocação contra dos nossos artistas e historiadores, que a justiça e a prensa local já evidenciaram todo o seu catálogo de esperpento feixista para fazer rir os poderosos e lograr sítio na sua farta mesa.
Em pouco tempo vejo que de vária parte a vaidade, a ignorância, o pouso franquista confundido com tradição e a barbárie continuada cercou a nossa cativa cultura até extremos de sobradar as poucas cousas grandes e boas e belas que temos, as que nos permitem manter em pé de igualdade com qualquer outra nação do mundo, o nosso direito a existir senlheiros. Direito ganho com humildade, esforço, trabalho, memória, arte e erudição.
Mas não, o hino da minha pátria obscura é tocado ligeiro no cenário -mais uma vez ridiculista- que devia ser o da sua soberania e não olho ninguém chorar. Ninguém a tremer. Apenas silêncio. E algum se indigna, mas o povo, que eu vejo chorar e muito, perde a esperança.
Estranho, pois quanto se emociona um –isso me disse o meu avô apertando meu braço adolescente – quando é atingido polos primeiros acordes da música do nobre Veiga. Em momento solene, nalgum dia de sol e festa em alegre companhia, nalguma sala de teatro de qualquer lugar do mundo, contra a autoridade, em franca camaradagem.
Tenho visto chorar muita gente ao sentir as primeiras notas do hino galego, lá e em muita parte, nos setenta, oitenta, noventa: na Havana, em Chicago, em Montevideu, em Buenos Aires, em Zurique. Cantado, escuitado em fitas gastas, em orquestras populares ou desentoando contra a policia. E mais ainda em memórias que não eram minhas.
Mas, na minha vida ouvi tocar o nosso hino como num serão luminoso em companhia de Xosé Maria Dobarro. “Apenas metal e vento”-disse ele admirado- vibrantes desde as partituras originais, rumoroso e levantando brisa como num meigalho antigo, nos poeirentos salões, como ruínas das velhas nações poderosas, do Centro Galego da Havana. Era 1995 e o meu carão erguia-se, lançal ainda os anos, de olhos estrelecidos como bágoas, Antón Garcia Antón, mestre gratuito, galego mambi, revolucionário de primeira hora, custódio de vagas memórias não cumpridas.
Não compreendereis a dignidade da música de Pascual Veiga, senão quando caminhando em ócio agradável o passeio Marti, vejais emergente ante os vossos olhos impregnados de tanto azul e verde, entre cheiros infinitos e seres festivos, a mole branca de memória marmórea, levantada a pulso polos filhos saudosos da Galiza.
Dificilmente atingireis a sua delicada harmonia entanto não contempleis o pôr-se em pé, rumorosos como as ondas, dos velhos galeguistas, dos velhos comunistas, dos velhos libertários, dos velhos republicanos, dos velhos antifascistas, dos exilados sem mais que restam, e dos seus filhos e poucos netos em pacto, em qualquer auditório de Buenos Aires ou Montevideu, na Crunha e em Vigo também.
Mal podereis interpretar esses acordes entanto não sintais aquela doce música percorrer os corpos daqueles que emigraram por pão noutras terras.
Mas não vos importa. Não vos importa nada. Se mudamos governo foi especialmente para livrar-nos de que as nossas elites políticas continuem a gastar os nossos dinheiros em caprichos ridículos e a estender o nepotismo como jeito de controlo do mundo académico e intelectual. Para ter direito à crítica e à memória.
Se também nesta mudança não há qualquer esperança, se as nossas elites culturais teimam em viver da Galiza e aproveitar-se das poucas cousas de verdadeiro valor que temos, para vender a sua arte como antes fizeram os Canitrot, os Camba, os Fernández Flórez, Manuel Casas, para felicidade de Montero Ríos e de La Voz de Galicia, que nos resta?
Como a gente do comum, que sabe a base de golpes neles e antes nos seus pais e avôs, que na Galiza há que calar e aguentar vai ter qualquer uma esperança se ninguém olha, nem já canta para eles. Se depois de tanta mudança, ao final as elites políticas continuam alheias à problemática local, que se deve tratar directamente e em submissão evidente com o cacique de turno.
E as que deviam ser as nossas elites intelectuais, políticas e artísticas, em vez de continuar as vozes heróicas de Rosalia, Curros ou Pondal, teimam nessa burla indigna, dissimulam nessas brincalhadas perversas das que gostam os poderosos.
Isto chegara para encher de abatimento qualquer nação que não for a nossa, afeita aos paus como os trabalhos.
Desde há certo tempo considero que na cultura galega em geral (o que se percebe em plataformas como ANT, Vieiros ou Tempos e descaradamente nas instituições e editoras) se consolida cada vez mais como cultura o que apenas é amiguismo e nepotismo intelectual, covardia e dependência submissa. Ausência de crítica, pois a crítica castiga-se na caixa do pão, não em réplica. Isso que o fraguismo consolidou de velhos restos mediático-ambientais que sempre nos frenaram. E agora não há quem o desmonte.
Vejo com espanto como o Estado não só não toma da sua mão a reabilitação da memória (já que da reparação e da justiça não ousa nem falar) como não informa os legítimos herdeiros e os milhares de vítimas sobre documentação privada e informação que se agocha ilegitimamente nos arquivos públicos.
A película montada arredor de Dionísio Pereira –como advertência para todos- me confirma como as cousas estão. Entanto ele fica em questão e obrigado a passar perante os juízes (dos que hei espanto) vejo à cultura e política galega olhar para qualquer parte a aparentar que fazem e debatem, mas apenas sem objectivo, a roubar ideias, copiar textos e continuar misturando tópicos e néscia erudição. E prometem reunidos em congressos que nada achegam, inaugurando permanentemente saraus e dizem que fazem –fume- para resgatar a memória.
E ainda tenho que ler Xabier Cid em Vieiros dizendo parvoíces sobre aquele feixista impune de Manuel Fraga e chamando protofascistas várias estrofes de Pondal que se cantam no nosso hino.
O silêncio e o abandono de crítica durante a época Fraga tem produzido uns efeitos secundários na inteligência galega irreversíveis. Os escassos opinadores e opiadores continuam a querer fazer parte dos que defendem que os intelectuais da Galiza fazem bem vivendo da nossa cultura (não para a nossa cultura) e seguindo o jogo, as chorradas e caprichos perversos da nossa classe política dependente desde os tempos remotos de Gelmírez.
More from Ernesto Vázquez Souza
‘Cantares galegos’, presentado no Festigal
«Se alguma vez um livro foi capaz de mudar a trajetória da escrita, da língua e por tanto da imagem …
O Levantador entrevista a Santiago Auserón
[kml_flashembed movie="http://video.google.com/googleplayer.swf?docId=6745516833224064383&hl=es" flashvars="" width="320" height="240"/] Temos o pracer de ofrecer a entrevista que Santiago Auserón nos concedeu apenas unhas horas antes …