Terra é um livro coletivo editado pelo projeto transminhoto «Cultura que une», uma aposta galego-portuguesa por fazer da antiga cultura galaica comum, muito mais extensa do que os limites políticos e territoriais da atual Galiza espanhola, uma experiência do nosso tempo. Não se trata de mover ou eliminar fronteiras mas de viver como se elas não existissem; nem de concorrer pelos méritos do passado ou do pressente mas desfrutar do convívio natural a que uma mesma terra nos convida desde há milénios.
É nesta sequência que nasceu a primeira publicação de «Cultura que une», um livro iluminador que tudo o conta já no título: Terra. Consiste numa coletânea de fotógrafos e poetas galegas e portuguesas que partilham por pares suas particulares maneiras de ocupar a folha em branco. De partida, as fotografias foram propostas e a seguir os poemas, inéditos e não só, foram aconchegados para fornecer outros pontos de fuga.
Fotografia: António Pinto, Anxo Cabada, Catarina Almeida, Diogo Cardoso, Fernando Ribeiro, Iván Merayo, João Madureira, Maribel Valdivieso Varela, Santi Amil, Xosé Luís Alonso.
Poesia: Alfredo Ferreiro, Amadeu Baptista, António Fortuna, Berta Dávila, Carlos Da Aira, João Madureira, José Braga-Amaral, Ramiro Torres, Virgínia do Carmo, Yolanda Castaño. O resultado é um mosaico memorável, multidisciplinar e multiperspectivado.
Uma versão áudio-visual dos conteúdos pode achar-se no Canal Culturaqueune.
Disponível na Galiza na livraria Aira das Letras de Alhariz e em Portugal na Traga-Mundos de Vila Real.
Foto: “Frigindo os rojões no pote” de João Madureira
ARDER
Arder, aquecer no pote
o tempo e perceber o doce sabor
de aquilo que nasce
aquilo que morre
aquilo que mora no bordo da existência,
como um fungo que raramente aparece
e logo se oculta, fugitivo insensato
na derme sacra da terra
nas leves asas do vento
nas iriadas brânquias do mar,
que em nenhum lugar permanece
por ser apátrida sempre
onde outros erguem bandeira
e defecam pomposamente.
Caminhar sem tempo
alargadamente num único latejo
pela imagem da lua que dança
na marisma de um pensamento cordial,
maravilha do sacro no quotidiano.
Alfredo Ferreiro. Inédito
*
«A Galiza e o norte de Portugal, filhos de uma mesma cultura que ficou truncada, não tanto na época em que D. Afonso Henriques proclamou a independência do Condado Portucalense, mas sim quando foram implantados os tratados de limitação de fronteiras por estados liberais fortemente jacobinos e centralistas ao longo do século XIX.
Nas duas primeiras décadas do passado século XX, intelectuais e criadores galegos e portugueses falaram da necessidade do reencontro. Mas as violências do século XX, nomeadamente as ditaduras, a Guerra Civil Espanhola, a repressão, as dificuldades económicas que afectaram os povos ibéricos pareceram silenciar este diálogo que, na forma de encontros entre arqueólogos, escritores, filólogos, etc., continuaram à margem do discurso oficial.
Amarante é um referente para este reencontro e também encontro. A figura de Teixeira de Pascoaes, grande admirador de Rosalía de Castro (Pascoaes escrevia a Risco que haveria de se lhe fazer uma homenagem) foi um referente simbólico para uma intelectualidade galega. E não só Pascoaes. Também Leonardo Coimbra, Santos Júnior, Carlos de Passos, Hernâni Cidade, Rodrigues Lapa, Vicente Risco, Viqueira, Noriega Varela, Castelao, Filgueira, Jenaro Marinhas del Vallhe, Valentín Paz Andrade, Carvalho Calero, são um bom exemplo de intelectuais que, em algum momento da sua vida, trabalharam para o reencontro.
Mas se é necessário o reencontro também é igualmente necessária a redescoberta de um património cultural que teve origem no território da Gallaecia romana e que teve na língua galaico-portuguesa a sua fonte de criação. O património comum galaico-português faz parte do acervo da humanidade em criações tão singulares como as cantigas medievais da nossa lírica que transparecem uma rica tradição oral onde beberam os trovadores. A cultura popular comúm que manteve a sua vitalidade até ao presente, apesar da fronteira política, debe obter o seu maior reconhecimento mediante a inscrição na Lista Representativa do Património Imaterial da Humanidade da UNESCO.
A aprovação a 11 de Março de 2014 pelo Parlamento Galego da Lei Valentín Paz-Andrade, fruto de uma Iniciativa Legislativa Popular, publicada no DOG de 8 de Abril de 2014, convida-nos, e até certo ponto obriga-nos, a aprofundar o esforço do reencontro.
Para contribuir para fazer da Lei realidade, damos impulso às seguintes actividades a desenvolver em Amarante e na Corunha nesta edição de 2015, que esperamos que não seja a última. A eleição destas duas cidades para a presente edição não é arbitrária. Se Amarante tem a força simbólica de Pascoaes, a cidade da Corunha é onde está a sede da Academia Galega, instituição civil constituída por aqueles que pensavam no ressurgimento da Galiza.»
Proximamente culturaqueune.com
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