Foi a altas horas desta jornada de louvor & simplificação do poeta Uxío Novoneyra que, da Galiza, soou o rebate para peregrinar pelos Caminhos de Santiago e responder à chamada que me traz ao Courel numa romagem que só o coração pode merecer, não para acrescentar cintilações de estrela ao firmamento de parada de Moreda, mas para desta terra colher as primícias cada primavera fecundadas pelo sol criador nos Eidos dessas “terras libradas” em cujo húmus medrou “a força do amor” que o poeta de Tempo de Elexía (2010) não deu por perdida nesta:
Galicia labrega
Galicia mariñeira
Galicia obreira
………………………………
Galicia nosa
……………………………
“verbo enteiro”
“no verbo verdadeiro
que fala o pueblo”
Passa quase um quarto de século sobre a data em que, a convite da Associación de Escritores en Língua Galega, a que presidia, tive o privilégio de conhecer Uxío Novoneyra, vindo representar a Associação Portuguesa de Escritores num Galeuska agitado pela contestação intelectual de cunho nacionalista e pelo debate literário aceso entre gerações e modos de escrever.
Sem sobranceria nem capitulação, Uxío Novoneyra, aí estava para conciliar hostes irmãs, gerindo tensões implantadas entre pares tentados a abdicar daquele desejado consenso que, não raro, tende: ora para “a exaltação da generosidade gratuita e sem contrapartida” das Meditações Pascalianas, de Pierre Bordieu, ora para “a confissão de pulsões recalcadas”.
Sabendo que chão pisava, Uxío Novoneyra não esqueceu de lembrar ao poder político, na abertura do congresso que havia corrido ao Obradoiro que, em nome da AELG, nada tinha pedir, senão “viño” e “pan” a esperar.
Ficou dada a lição: prever para prover — que o mais é parte desse princípio inalienável, lembrado por Maria Zambrano, e, O Sonho Criador, que consagra (e dá por adquirido) o direito de participar humanamente na criação do mundo.
Vergílio Alberto Vieira
(Portugal)
(Comunicação apresentada, à margem do programa, pelo autor, a convite da Organização do Festival dos Eidos (2015), complementada com a leitura de dois poemas inéditos)
HÚMUS
Pelo pão de cada dia
De que a luz é o maior bem
À terra serve de guia
O sol que a todos tem
Por amigo, por natureza
Sempre que a fome atormenta
O amor que reúne à mesa
O ganho que a sustenta
O que melhor souber dar
Aos filhos dessa lavoura
Cujas searas são mar
De promessas, duradoura
Colheita de outro labor,
Resgatado à solidão,
Que, da partilha o desamor
Não é de humano coração.
Desse nobre entendimento,
Que ao mundo tanto faltou,
Será justo o pensamento
Que muito ao pouco acrescentou.
ÁRVORE
Até ser árvore esperou
Que a primavera chegasse
Ao lugar onde ficou
De pé, tal como nasce
Na terra, que a levanta
Do chão, onde há-de cair,
Quando a oferenda for tanta
Ao sol que lhe servir
De seiva, desde a raiz
A que entrega o coração,
Até ao céu onde é feliz
Sem saber qual a razão.
Da origem, que a recebeu,
Teve o oiro desejado
Que à luz em frutos deu
Sem dor como era ‘sperado.
Desde o princípio do mundo,
Onde quer que, em harmonia,
Crescesse o amor profundo
Que dela fez primeiro dia.
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