“Vidoiro” é a última obra publicada até agora de Neno Escuro, autor tanto da música como das imagens. Nas suas palavras, trata-se de “um projeto de experimentação sonora e visual enraizado na procura de uma linguagem híbrida entre os dois âmbitos, mas que se abre também ao campo literário —especialmente o poético—, e se concretiza na criação de peças visuais, sonoras, concertos performáticos, projeções e visuais ao vivo.”
Na Palavra Comum, sempre aberta aos novos caminhos que aparecem sem cessar, encontramos nesta obra um intenso motivo de diálogo com a poesia e as artes. Trás a publicação da primeira parte, damos a conhecer a segunda, com textos criados explicitamente para “Vidoiro” por Pedro Casteleiro, Eugénio Outeiro, Baldo Ramos, e as fotografias de Manuel Lestón.
Vai o nosso agradecimento expresso a Neno Escuro por permitir a reprodução desta sua obra aqui e por facilitar estes diálogos que, talvez, nos transportem para um outro lugar já existente desde sempre à nossa volta. E, evidentemente, animamos ao público a conhecer as demais obras deste autor publicadas até agora, tão prezadas para nós!
*
PEDRO CASTELEIRO
Antes dos nomes
Eras, minha senhora, um jardim em inverno
anterior ao tempo.
Os passos em silêncio, as tuas mãos em coma.
As tâmaras negadas a pássaros sem nome.
As fontes da fome.
Levantado o teu desejo
de vento sobre o meu
desejo.
E as tâmaras do teu silêncio
germinando-me no centro.
*
EUGÉNIO OUTEIRO
VIDOIRO
é a nuvem que se pensa nos teus olhos
respirando rochas
aaaaaaaaaaaa mas tu não penses, deixa
que o vento traga a água nas narinas
e não pisques os olhos
aaaaaaaaaaaa (já piscaste
mas não importa)
também é o pinheiro que se observa nos teus olhos
aaaaaa e tu deixaste o mar nalgum lugar do mundo
areia
aaaaaa como dentro do peito
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa a nuvem
a adentrarse nos olhos
aaaaaaaaaaaaaaaaaa e tu
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa e a nuvem
sem grande diferença
aaaaaaaaaaaaaaaaaa (os olhos piscam)
alguma luz semeia
aaaaaa lembranças monumentais
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa e nuvem
deixaste o mar mas arrastaste o ilhote para dentro
aaaaaa sem rasto de areia
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa a nuvem traz a rocha
aaaaaa é ghidoiros
aaaaaaaaaaaa ou rua
aaaaaa (fechaste os olhos
aaaaaaaaaaaaaaaaaaa e lá estão)
mas a nuvem não tem nomes
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa é a mãe do verbo
aaaaaa e a rocha não tem verbo
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa também não tu
deita-te na consciência e simplesmente observa
essa paisagem é anterior ao mundo
*
BALDO RAMOS
río shakuhachi
superponse a néboa coas palabras
cobra de silencio furando nas membranas do bambú
a luz apenas dubida
o encontro coa transparencia
fainos visíbeis
escoito a ausencia dese lado da vertixe
onde se retorce o tempo
*
MANUEL LESTÓN
Monte Dordo. 2011
Porto do Son
Cabalos na néboa.
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