Celebrou-se em Compostela, na Faculdade de Filosofia, os passados dias 30 e 31 o Colóquio Internacional “Agostinho da Silva e a Cultura Galaico-Portuguesa” na que participantes de Portugal, Brasil e a Galiza nos falaram sobre a obra e o pensamento deste homem singular e extraordinário, que tivo um especial contacto e interesse pola nossa terra. Nas suas próprias palavras: “Contínuo a ver a Galiza como a “chave” da abóbada peninsular, a feição capaz de levar Portugal a participar como uma das unidades autónomas da nova Ibéria, não só esta aqui, dos Pirinéus para baixo, mas a que anda também por África, Ásia e América do Sul.”
De qualquer maneira que olhemos a vida e a obra de Agostinho da Silva uma cousa fica clara para qualquer: é irredutível a um esquema, a um estilo ou a uma perspectiva unidireccional. Deste jeito a sua influência chega a todo tipo de pessoas e lugares mas com um ponto em comum: a absoluta necessidade da libertação humana para além de etiquetas ideológicas, culturais ou religiosas. Podemos nomear algumas características básicas, mínimas e parciais, das inumeráveis que poderiam ser ditas:
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1. Tal como em Pessoa a sua Pátria é a língua portuguesa.
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2. Os três “esses” como garantias básicas dos direitos e a dignidade humana: suntento, saber e saúde. O capitalismo é concebido como uma expropiação do património e da dignidade humana.
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3. A necessidade absoluta de sinceridade para com os próprios ideais, porque deste jeito nos veremos obrigados a nos pôr uma e mil vezes em questão, melhorando-nos.
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4. A política e os politiqueios são um substituto da accção real de transformação do homem. Não se devem confundir os meios com os fins: e a finalidade é a completude humana, quer dizer, todas as acções devem inspirar-se e dirigir-se à consecução de um objectivo espiritual.
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5. Eis aquí o V império, o reino do Espírito Santo de Joaquim de Flora, reino transcendente que ao mesmo tempo se vive na imanência e na iminência do presente que já é futuro. O futuro começa aqui, agora.
Muito se poderia aqui dizer de Agostinho da Silva mas uma cousa fica clara: a quase absoluta ignorância que na Galiza existe sobre a sua pessoa e a sua obra o que, penso, é muito sintomâtico de que aqui se gosta muito da consigna, do compromisso ignorante e do nacionalismo obtuso mas pensar, pensar e agir com inteligência é um outro cantar: para isso não há tempo, estamos excessivamente ocupados nas nossas trapalhadas!
AGOSTINHO DA SILVA (FRAGMENTOS)
Sobre a Galiza
Antes de 1974, visitei muitas vezes a Galiza, aprofundei o meu conhecimeto da história e da cultura galegas, o que fortaleceu uma ideia minha de que devemos repensar a fundação de Portugal. Não no sentido de buscar informação nova ou de propor informações diferentes, mas para questionar o que se poderá chamar os erros da história de Portugal.
Não teria sido um erro a forma que tomou o gesto fundador de Afonso Henriques, agredindo a mãe, repelindo com violência o Conde de Trava para o reino de Leão? Muitas vezes me interrogo se Portugal não terá de ser fundado outra vez. (Entrevista com Agostinho da Silva, in Dispersos, pág. 65)
ICALP- … Isto é, há casamento entre noivos, entre Portugal e Galiza, um abarca e outro arca? Como é?
A.S.– Aí põem-se dois problemas. Um é o problema da própria origem de Portugal. No estado actual, a minha impressão com Portugal (eu estou a falar com toda a liberdade e franqueza, depois pegam numa tesoura e cortam aquilo que não for publicável segundo os vossos critérios) é a impressão de que quando uma pessoa se engana na paciência, ou está a fazer um jogo com outro e a coisa se atrapalhou: é preciso baralhar e dar de novo. Então o baralhar e dar de novo começa polo princípio, e o princípio, para nós é o Condado Portucalense. Então quais as relações que poderia ter havido entre o Condado Portucalense e o Condado Galego? É evidente que o D. Afonso Henriques era um menino e tinha toda a impaciência da meninice. Hoje podemos ver que talvez tivesse havido uma precipitação de manobra. O negócio “maquiavélico, no bom sentido, era manter as possibilidades do Condado Portucalense e do Condado galego seguirem juntos um caminho na História.
A coisa não deu. Mas, como se trata do tal baralhar e dar de novo, temos aí um problema: ver como é que nos podemos voltar às origens e rever toda a história de Portugal. O que nos levanta uma outra questão: como nós não sabemos qual é a verdadeira máquina da história, como é que as coisas funcionam, toda a vontade que nós temos de dizer que na história alguma coisa foi errada, ou certa, é inteiramente acientífica. Só podemos dizer que na história houve tal acontecimento. Se ele foi bom ou mau, não sabemos. O que sabemos é que sucedeu daquela maneira, naquela altura.
Portugal seguiu a sua evolução, a Galiza fè-lo para o lado de lá; são de facto os noivos que os pais não deixam casar, de um lado e outro do rio. De maneira que o problema quanto às origens é um e o da relação Portugal-Galiza é outro. Deixemos então o primeiro porque ele vai ser implicado pelo outro, o do futuro. (Entrevista do prof. Agostinho da Silva ao ICALP, in Dispersos, pág. 92-93)
ICALP – Neste retalho de culturas existirá portanto, de qualquer modo, uma relaçao privilegiada com a Galiza?
A.S. – A única região que já é ibérica do futuro é a Galiza. Exactamente porque é uma região de língua fortemente Minhota, se não quisermos dizer Portuguesa, de herança Celta, se quisermos ir para alguma adivinhaçao pré-histórica; e ao mesmo tempo, pela paixão de Isabel, a Católica, pela Galiza, é uma região que também apanhou muita coisa da cultura que poderiamos chamar Espanhola, predominantemente castelhana. De maneira que, se olharmos a Galiza, ela poderá ser o ponto da Península em que já duas culturas se entendem e, poderíamos dizer, começam a ter alguma mestiçagem. O que tem um aspecto curioso, quando muitos escritores ou intelectuais Galegos acham que seria muito interessante que o galego se fosse aproximando do Português – pelos menos o falado, se isso for possível, e o escrito, sobretudo por causa da área que vai ser abrangida pela Língua Portuguesa; que deixa hoje de ser portuguesa para ser uma língua galaico-luso-afro-brasileira, se tivermos em conta, por exemplo, aquela proposta do Padre Santalha, de um dicionário geral.
ICALP – (…)
A.S. – É uma aproximação puramente cultural, a que os políticos podem dar significação política, na medida em que isso for necessário. Mas o político precisa de aprender certas coisas: que a sua base de trabalho é a cultura e não ao contrário. É aprendendo cultura e inserindo-se na cultura que ele pode fazer uma política decente. Porque senão ele está arranjando uma receitas que servem para matar o rato que aparece mas não para a desratização completa… (Entrevista do prof. Agostinho da silva ao ICALP, in Dispersos, pág. 95-96)
Nunca se devia ter abandonado a Galiza; se havia que morrer, havia que morrer junto com ela; Portugal tem culpa das lágrimas de Rosalía, e cada emigrado que não volta a ele o acusa. (Considerando o Quinto império, in Dispersos, pág. 192)
Religião e espiritualidade
As religiões, portanto, além de tudo porque falam, e como falam, se declaram históricas: tiveram um principio, vimos que de algumas houve fim, outras terão porventura e igualmente o seu fim. Fundadas sobre o não-separar, tão forte lhes foi a história que muitas delas acabaram por se dividir, e por aí terminaram como religiões, só são verdadeiramente religiosas aquelas que, para além de toda dissonância, sempre afirmaram a fundamental unidade, aquelas que sempre puseram acima de tudo a fraternidade, aquelas para as quais mais vale ser bom irmão do que excelente sábio. Quanto às outras, se realmente existem, será seu fatal destino o de negociarem uniões como os países negociam tratados de comércio, por um oferecer e um recusar, por um pedir cem para obter cinquenta, pelas manhas da diplomacia e não pelos abraços que fecundam…
… É o Espírito o que une Pai e Filho, dos quais vem tudo o resto, como criação da redenção; é o Espírito a fonte indefinível de onde a vida pode fluir sob quaisquer formas, aquelas que eu conheço e venero ou não, e aquelas de que nem sequer posso ter uma ideia; é o Espírito que anima os que estão comigo e os meus adversários; foi o Espírito quem me trouxe Cristo e quem a outros trouxe Buda, Maomé e Lao-Tseu, foi o Espírito quem me deu Eckhart e quem me deu a geometría analítica; nele se reconciliam Aristóteles e Platão, nele se acabam as geografias ou políticas, que separam Ocidente de Oriente.(Ecumena, in Dispersos, pág. 228-229)
A ordenação religiosa, e não tomo aquí a palavra num sentido puramente sacramental, vai ser uma necessidade absoluta do mundo futuro. Não poderá, porém, ser uma ordenação de determinada corrente religiosa com exclusão de outras, e aquí acode o espírito português com a sua religião do Espírito Santo, em que entravam Mouros e Judeus; não poderá ser de forma alguma burocrática e centralista… (Considerando o Quinto Império, in Dispersos, pág. 195)
… lamentamos muito que o nosso bom senso nos impeça a sua loucura [en refêrencia a Sampaio Bruno, mas somos tão sebastianistas como ele, com o acrescento de que há um D. Sebastião morto em cada um de nós vivo e desejamos que ele surja depressa de seus nevoeiros, só, solicitamos, com mais senso táctico e estratégico do que o pobre do Rei. Pensamos que todo caminho filosófico debe ser teológico, para afirmar ou negar Deus, pois Deus é e não é ao mesmo tempo; pensamos que esse, o do Asoluto pode ser centro de ecuménico, de um ecuménico primeiro português depois mundial, com cristãos, budistas, muçulmanos ou animistas o adorando em suas particulares línguas religiosas, numa igreja pela primeira vez universal. (Barca d’Alva. Educação do Quinto Império, in Dispersos, pág. 492)
Sobre a política
Da política nem vale falar: é processo que se adaptou mal a gentes não modeladas pelos padrões anglo-saxonicos ou que poderia quando muito organizar em linhas eficientes a vida material da acção, mas falta-lhe, por um lado, convicção interna…, por outra parte, e acompanhando-se aqui o movimento geral do mundo, o desinteresse público pela política é quase total, não, como se costuma supor, pela baixa qualidade dos políticos ou por excessivo comodimo pela parte do povo, por egoismo seu, mas porque os instintos mais profundos e um sentido geral da evolução da história fazem entender que a política passou a ter uma importancia mínima; à falta de convicção interna e talvez como interdependente, veio a a juntar-se a falta de convicção externa: a política é inoperante por ser afinal, se se me permite uma imagem absurda, um vácua actuando no vácuo.
Nos voltamos, naturalmente, para a ideia de que a identidade de fins e meios, a preminência de objectivo e as condições de que partimos, o fulcro indispensável do movimento resida numa intuição de carácter religioso, ou, visto sob u aspecto colectivo, num movimento místico de massas (…) Seria evidentemente ocioso querer prever de que modo esse movimento religioso se poderá processar, já que a invenção inesperada e a novidade dos caminhos lhe terão de ser primordiais características (…) se fosse lícito empregar símile histórico, nos lembrariamos de alguma coisa semelhante que foi, com Maomé e seus sucessores, a irrupção dos árabes no mundo antigo ou, num aspecto mais conservador, a organização dos monges cavaleiros. (in Dispersos)
Acho graça às homenagens
Que me prestam
Excelente sinal de ilusões
Que a eles restam;
Sou tão humano quanto os outros,
Com qualidades e defeitos
E mais as manhas que se escondem
Em seus peitos,
Se a hora mo facilita
Já resplendo,
Mas, se estreita é a passagem,
Me defendo;
Audácia nunca me falta,
Com ela ataco,
Mas também já teno dado
Parte de fraco
Só pura sorte me tem levado
Ao melhor de mim,
Nem sempre os meios de que me sirvo
Valem o fim,
Sinto que os êxitos são o que tinha
De acontecer,
Comigo ou outro tudo seria
Igual vencer;
Mas sempre é isto o que sucede
Com toda a gente,
De baços astros rolando vagos
Luz aparente;
De nós nada mais deixamos
Que vãs memórias,
Só Deus é grande, só Deus é Santo
E o demais histórias.
Praça do Chile, 02.06.1981
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