O berro é politicamente incorreto ainda que quase que todos-as começamos a vida berrando. O berro primal. O berro acompanha-nos na defensa quando nos sentimos atacados-as. Tantas vezes atacados-as e incompreendidos-as e acavicornados-as. Há teorias sobre como educar sem berrar e no mesmo lado psicólogas que dim que umha emoçom expressada é umha emoçom superada. Nesta nossa sociedade nom tá bem chorar nos bares, nem berrar a um vizinho, nem rir-se a gargalhadas esplêndidas. Deve-se aguantar, aparentar, guardar a compostura, deve-se meter tudo dentro e por aí vai quedando entre garganta, fígado, coraçom…
O berro é umha forma de comunicaçom e nela há um emissor-receptor. Portanto que percebe quem o recebe? Que nos passa a cada uma de nós com o berro? A que lembra? Aonde te leva? O berro desinibe. No berro o corpo fica liberado, distendido, e será, pois, mal visto, mas neste mundo ao revês já existem terapias para berrar a vontade e para escachar a rir. Já podemos pagar por berrar e mais por rir.
Para o receptor suspectível dos altofalantes há pessoas que falam com volume, há mulheres que falam forte e confunde-se com berros, nenas-os que berram a todas horas… As razons podem ser múltiples e profundas. Por pôr um exemplo: a sociedade é muito crítica com a mulher que fala forte e define-se como maleducada, tola, tarasca ou histérica (útero, hyaterá, matriz). Os gregos, eles, consideravam a enfermidade histérica com aqueles movimentos ou vibraçons dos órgaos reprodutivos femininos. A histeria era a enfermidade do útero quente. Andando o século XIX mantivo-se dita crença até que se viu que era umha “enfermidade” que nom tinha a ver com o género. Agora denomina-se “neurose de conversom” e aparece em pessoas que tam em situaçons limite. Desculpem, esquecia: os homes que berram podem ser também definidos como agressores, maleducados, déspotas, o caso é fazer juízo de tal acçom: os berros berrados e os berros calados.
Neste remexido de pareceres também há quem considera positivo deixar berrar as crianças para abrir os pulmons ou para que se fagam mais fortes e dar-lhes menos mimos.
– Sinto umha grande confusom e falta de compaixom polo feito de berrar.
No mapa emocional de Gabrielle Roth lim que a raiva é umha reacçom de protecçom a umha violaçom dos limites pessoais e armazena-se muito e bem. A raiva contida é pandémica e destrutiva na casa e em qualquer lugar, e é a emoçom menos permitida e a mais reprimida até que estoura em agressom. Reparemos, pois, nas mandíbulas apretadas, maos apretadas, costas rígidas, vozes elevadas e olhadas provocadoras.
Retranca no centro, você que me lê sabe que todo o mundo toma pastilhas dos nervos, que todo o mundo tamos drogados ou enfermos e podemos perguntar-nos como seria botar por fora berrando ou chorando diariamente, como seria se alguém te recolhe num abraço ou numha cançom. Quem berra que é o que lhe doi e quem o escuita porque lhe dói.
– Sinto o medo.
O berro primal de Lu foi aos seis meses um 6 de abril. Um pequeníssimo ser de 900 gramos berrou ao sair do útero por cesárea, pudem vê-la e escuitá-la naquel milissegundo. O seu berro segue a estremecer. Os primeiros meses na casa esse berro entrava nas entranhas, produzia-nos umha dor imensa (a nós, os receptores). É um berro contundente, amplo, cheio de raiva, cólera, protesta, maldizer… por ponher palavras que quiçá nom som.
Raramente é capaz de parar só ou juntas, ainda nom sabemos bem como fazê-lo. Houve umha época em que ia a umha osteópata que tratava temas de prematuros e fixo-me reparar em como recebia eu o berro de Lua e como o recolocava e retumbava no meu corpo. Perguntava-me se eu era capaz de suportar o berro até o seu remate. Intentei isto depois da consulta. O seu berro durava anos. Puxem-lhe umha mão no peito e dixem-lhe que ali estava com ela, que nom a abandonava e que a entendia. Foi mainando mas nom fum capaz de chegar ao seu silêncio final. Quase um ano depois, hai pouquinho, na carrinha, conseguim um chanço mais na calma. Era umha noite fria e voltávamos para a casa depois da piscina, supomos que nom queria viajar mais e começou a berrar tam agudo e com a fúria dum cavalo e a força de mil mais. Fum intentando respirar com ela, e respirar com som dizendo-lhe que fazia bem em berrar, que ela tinha o seu próprio permisso. Acolava-a como podia entre os braços e a sua máxima rigidez. Fomos entrando na mesma respiraçom e no mesmo laio até que baixou a intensidade, mas o berro rematou em casa.
Antonte mesmo colheu outra raiva pequena, bem porque nom queria comer e tinha sono, bem porque nom lhe dim a dose musical que precisava. Para mim ainda hoje é dificil saber com ela quando vem a fame e o sono. (Dói como mai nom conhecer exactamente qual é a necesidade da criança.) Aguantei-me na minha posiçom de dúvida e acarinhei-lhe a espalda, esse ponto da omoplata cheio de raiva. Foi indo pouco a pouco. Rematou o berro só e cansada. Durmiu.
– Sinto que isto tem areias nas geraçons maternais.
Intento (intento, nom consigo) ser colo do seu berro. Intentamos consolá-la com movimento stacatto ou umha cançom das que goste. Também funciona o difónico de papá e a sua posiçom firme e segura no ombro esquerdo, além do entendimento Edipo.
Para algumha secçom da neurologia e da pediatria convencional Lu teria que tomar pastilha tranquilizante, como tantas pessoas que conhecemos.
Acredito que é revelador que Lu proteste berrando porque foi violada desde o princípio e é a unica maneira que tem de dizer claramente Nom!. Como ser sensível sabe a agulha de marear e berra pedindo o que quer. Berra quando nom lhe interesa a situaçom, nom gosta dumha pessoa, umha posiçom, um espaço, um som, ou quando quer durmir e luita com o senhor sono. Entom, damos-lhe a Lua o que quer ou começamos a pôr limites e ensinar-lhe o que quer dizer o nosso Nom!. Ante tudo é umha nena com ou sem PC. Sabemos que existem escolas livres onde os nenos-as fam o que querem e como querem e isso é filosofia de aprendizagem. Neste caso também …?
Ponher límites é preciso para relacionar-se. Creio que se nom tivesse “politesse” nem intelecto cultivado a machada, eu faria o mesmo mas tou entrando na compaixom.
– Sinto um grande caos, assim me exprimo.
Fruto do medo, da raiva, da tristeza e da alegria é a compaixom entendida como sincronizadora e capaz de compreender as emoçons que temos para reagir da forma mais adequada.
O mal-entendido da compaixom é mostrar pena e lástima por outra pessoa. Ter lástima e dizer: pobrinha! é umha saída barata e burda pola ilusom de ser boa pessoa preocupada por moralismos baixos. Porque é tam correto ser compasivo desta maneira? Os pais e mais dos nenos com diversidade funcional recebemos muitas vezes a palavra pobrinha-o!.
Numha sociedade matrística (nem matriarcal nem patriarcal) o diferente tem valor e estaríamos de forma natural ajudando ao bem comum sem competência, jerarquia e sentimentalismos de séries de televisão. O diferente leva a maior aprendizagem (proponho-vos ler Humberto Maturana e as suas novas investigaçons sobre a Europa Indígena). Nesta compaixom mal entendida podo atopar mesmo o empresário-a que tanto ajuda á equipa de fubito ou a associaçom de discapacitados na mesma orde e caché.
Umha pessoa compassiva dirige a energia ao movimento e câmbio de etapa para aprender. Compaixom é dar a alguém o que necessita, nom o que deseja, segundo o mapa de emoçons de Gabrielle. Neste caso do berro propom nom cortá-lo, dar-lhe permisso e afirmá-lo. Bailar com essa fúria juntos. Exprimir e dar saída às emoçons. Isto é agarrar-se aos machos e saltar. Só quando viviste o mapa emocional na sua totalidade podes entender aos demais e ajudá-los longe das boas maneiras e do vidro empanhado do medo, raiva ou tristeza nom resoltos. Di Roth que esta compaixom é a ausência de emoçom, é dizer, a fonte, como a quietude é a fonte do movimento.
Dia a dia ando nesta residência artística da vida consciente, nesta que é agora, e que nom é passado nem será futuro.
– Improvisaçom vital do caos no seu primogénito significado: o imprevisível.
Aqui vos remito umhas cançons possíveis entre tantas outras que cortam o berro de Lu.
Coque Malla, “No puedo vivir sin ti”. Sorri de lado deixando-se ir à expressom de seduçom como se Coque lhe cantasse só a ela. De todas as versons que Coque tem dessa cançom só esta lhe interessa.
Bola de Nieve: “Messié Julián”. Houve umha época que se ria muito com esta cançom, agora escuita-a com atençom e complicidade.
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