Demetrios Galvão, nasceu e vive na cidade de Teresina/PI. É poeta, editor e professor. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), O Avesso da Lâmpada (2017), Reabitar (2019) e do objeto poético Capsular (2015). Em 2005 lançou o CD de poemas Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico. Tem poemas publicados em diversas antologias, revista literárias e é coeditor da revista Acrobata, ( www.revistaacrobata.com.br ) em atividade desde 2013.
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infinito volúvel
ao som de velvet underground
quando o fogo alteia, sobrenatural se torna
tua arcada de medusa.
as tatuagens arcaicas grafadas nos ossos
emergem faiscando.
revolvemos em nosso motor
todas as guerras modernas.
recolhemos o marfim do antiquário
e nos lançamos na heresia da selva.
travamos uma batalha por noites
no ângulo aberto dos olhos ocultos.
não avistamos o mar de onde moramos
não temos nossos nomes demarcando ruas.
nos lançamos na vertigem ébria das asas,
no jogo cego das cartas.
ainda em silêncio, sussurramos uma luz escura
entre costelas e demais estruturas.
quando no infinito das eras,
nos tornamos volúveis.
– hospedamos nosso ser estrangeiro
no clube pagão das insolências.
*
arte com espinhos
frequento entulhos
para colher palavras de calcário,
alvoradas ingênuas me enviam
mensagens na interzona.
tenho um viveiro onde cultivo
um sincretismo modulado,
coisa rara de ver florescer
em tempos como os de hoje.
pratico uma arte com espinhos,
domestico a dor que não atende pelo nome.
sei que toda orelha tem um calcanhar difícil,
um escaravelho que não dá sossego.
o infinito que criamos dentro de nós
é um segredo íntimo.
sobrevive às pequenas mortes diárias,
resiste à conquista estrangeira.
amar é também mudar as coisas de lugar
neste insondável tecido que fiamos.
somos todos irmãos
na gaiola incandescente das civilizações.
– crianças que brincam em águas sem fim,
redefinindo o atlas da morte.
*
cine-mirante
ao som de guardia
por um tempo, habitei um endereço rarefeito
lugar difícil de se enviar cartas:
e de lá, assisti a chuva campestre
o concerto do coração dos homens
as crianças livres e sensíveis
a esperança viajando de trem
histórias de cozinha e de amor
o feitiço de uma mãe valente
as transparências de uma jornada interior
a oitava cor da música que dizia:
– toda paisagem azul é felicidade…
passaporte para uma pequena semana de verão
na plataforma alegre de oficinas incorpóreas
encontro de irmãos nas raízes de uma lembrança
milagre de ser e ter no corpo um abraço cheio
e um olho filmando tudo.
*
paisagem gasosa
o verão se acende
em fogo indomável.
as noites evocam sóis apócrifos.
demônios alcalinos se inquietam
e dormir se torna impossível.
– incompleto reino
onde as palavras
não abençoam ruínas –
na penumbra se agasalham
antigas febres hereditárias,
bisnetas de capitanias do terror.
chafariz de assombrações
orações para santos sem nome próprio
os excessos da linha do equador.
– contemplo em silêncio a rinha polivalente.
*
enigma necessário
a idade é um labirinto que
se molda no combate
me interessa o enigma necessário
a emoção de voz suave
saudar o fluxo perene do sangue
festejar em silêncio o sol que ilumina o rosto
o incêndio calmo que aquece a carcaça
aparo os excessos de tempo junto à pele
seguro em uma mão o afeto de outra mão
em sintonia com um satélite
que orienta o desejo
– não se pode morrer facilmente.
*
útero paterno
uma voz quebrada
corre dentro do homem
ecoa pelas tubulações
((((((((ósseas))))))))
– o som vira carne-doída –
é o grito de um filho
que pede abrigo
a um pai
o homem sente febre
e tem medo de falar
o que lhe dói
tem medo da física
desse som e da realidade
da palavra
o homem alimenta
o filho com a substância
do seu útero paterno
e torce para acordar bem.
*
feridas da visão
1
sofro de dor prematura
em diversos tons
uma angústia que penetra
as fibras da imaginação
lugar onde a mão
não chega
resta inventar um abrigo
fora da carne
2
os cabelos
carregam a extensão
de anos
a tensão sanguínea
na imaterialidade da
alucinação
convoco omolú e sua magia
para curar as feridas
da minha visão.
3
entre rochas e sombras
germina o sonho
na cavidade porosa
levito sobre a erosão dos músculos
observo a migração dos pássaros
ensaio um rito, uma revelação
busco no espaço do silêncio
a resiliência necessária
para manter o corpo aceso.
*
eternidade
cruzo duas noites
no ventre das mãos
os relâmpagos cintilam
fé pagã e abolições
repito uma prece 80 vezes
dentro do silêncio magnético
cruzo o que posso
na aldeia do pensamento
vozes que vêm de longe
no verso do tempo
sussurrar vertigens
de um evangelho cósmico
cruzo algumas vidas
no terreiro de ossos
– a eternidade
é um sonho insuportável.