– Palavra Comum: Que é para ti a poesia?
– Moncho Iglesias Míguez: Um jeito de expressar-se, de insultar ou louvar com musicalidade ou com estridências; um jeito de berrar, uma protesta, uma declaração de princípios, um desnudo.
– Palavra Comum: Como é, no teu caso, o processo de criação literária?
– Moncho Iglesias Míguez: Escrevo por momentos, em papéis que misturo, entre os livros, em bilhetes, em folhas soltas… Gosto imenso de escrever na praia, onde trabalho muito e onde fiz mui boa parte das traduções que tenho feito. Necessito papel e lápis, e ruído para acompanhar o meu silêncio. Escrevo nas viagens longas espécies de diários dum protagonista que imagino nesses lugares que descubro, e escrevo versos como uma constante quase diária. Os contos som mais repousados, numa mesma folha ou caderno, sem horário, mas sim cum esquema.
– Palavra Comum: Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre a literatura e outras artes (música, fotografia, artes plásticas, etc.)? Que experiências tens, neste sentido?
– Moncho Iglesias Míguez: Penso que há muita relação, pois a literatura é como uma viagem longa onde tocas de todo e vais subido a muitos meios de transporte diferentes. Estão relacionadas sempre. As palavras são imagem e música, a imagem é palavra musicada… todo toca todo. Há exemplos galegos óptimos nos que poetas cantam, trabalham o cenário poético e criam imagens de diferentes jeitos, com espetáculos que são isso precisamente, espetaculares: Silvia Penas, Poetas da Hostia, Lucía Aldao e María Lado, Elías Portela e o(s) seu(s) álter ego. E mesmo no cinema está todo isso presente, como no trabalho de Fon Cortizo: Contrafaces.
Eu em particular tenho colaborado com gente impressionante como Nicolá Le Creurer Quinteiro, um artistaço mui novinho que toca a harpa, entre outros instrumentos, dum jeito maravilhoso; com Najla Shami que tem uma voz impressionante e umas mãos estupendas na guitarra; com Xurxo Nóvoa Martins, que é um virtuoso da música, e também da palavra; com Bea Míguez, que tem uma voz única e está metida num projeto musical e poético bárbaro como é Vatapá.
Gosto muito da fotografia e além de uma caneta levo sempre comigo a câmara de fotos. Gosto da poesia visual, a antipoesia e a fotografia lírica, gosto de encaixar palavras com imagens, que sempre estão prontas, só há que juntá-las, como nas peças dum quebra-cabeças. Neste sentido, nos livros de poesia que tenho há fotografias que acompanham os versos.
– Palavra Comum: Quais são os teus referentes -num sentido amplo-? Quais deles achas que são desconhecid@s (ou preteridos) ainda injustamente?
– Moncho Iglesias Míguez: Os antes mencionados e Nicanor Parra, Salman Rushdie, Carlos Fuentes, Jodorowsky, Chus Pato, Calros Solla, e as pessoas que têm algo que contar e o fazem, seja com palavras, com silêncios, com imagens… São desconhecidos os nossos avós e em geral todos os que fazem literatura por prazer e não por aumentar o seu ego. Gente que não sabia ler nem escrever mas fazia rimas e contava historias na lareira no inverno e na solaina no verão. Gente que escreve, coa memoria, nos ouvidos dos outros.
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras e @s escritor@s com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária hoje -e para a cultura galega, mais em geral-?
– Moncho Iglesias Míguez: Tomar as ruas, escrever no asfalto, botar aviões de papel carregados de poesia desde as alturas; em geral, prostituir a palavra para que seja de todos.
– Palavra Comum: Como vês a literatura galega nestes momentos?
– Moncho Iglesias Míguez: Viva e entusiasmada, com muita gente fazendo cousas maravilhosas, mas penso que temos que perder o medo a criticar-nos e a dizer-nos uns aos outros do que não gostamos. Necessitamos algum Jodorowsky que nos insulte e nos avergonhe e assim non cuspamos com tanta vaidade o que todos os colegas nos aplaudem.
– Palavra Comum: Que vínculos há, do teu ponto de vista, entre arte(s) e vida?
– Moncho Iglesias Míguez: Penso que a arte ajuda a ver a vida desde outra perspectiva, permite viver mais, porque dá a possibilidade de adicionar outras vidas paralelas à real. É uma luta necessária que nos anima a seguir fazendo isso: viver, talvez sem a necessidade de lutar, ou quando menos não coa necessidade de sofrimento e esgotamento que provoca a luta. É uma criação, uma forma de dar vida e, portanto, um ponto de optimismo.
– Palavra Comum: Tens experiência como tradutor… Como afrontas esse trabalho? Que representa para ti?
– Moncho Iglesias Míguez: Representa um entretimento e uma necessidade de partilhar cousas das que gosto na minha língua. Há livros que leio e desejo que todo o mundo leia, e por isso o recomendo e às vezes mesmo proponho que se traduza.
Afronto-o com respeito, com lentidão, com ilusão por poder explicar cousas que vivo ou que adoro á hora de ler. Tenho muita sorte, porque escolho o que traduzo, assim que é um prazer, ainda que às vezes é frustrante e desisto por momentos. Há momentos em que uma palavra pode atascar-se num trabalho dias e dias, e aí as amizades podem ajudar e também os autores, aos que sempre que podo pergunto qual é a sua ideia original.
– Palavra Comum: Fala-nos da tua experiência vital e cultural em Palestina… Que é o que desconhecemos em grande medida?
– Moncho Iglesias Míguez: São 11 anos, em diferentes etapas, e aprendi muitíssimo, além de fazer amizades e de enraizar. Trabalhei e estudei, passeei-o o máximo possível, festejei todas as festas e ritos: bodas, nascimentos, mortes… Não som estrangeiro em Palestina. Na literatura, trato de ler todas as novidades sobre Palestina. Lá costumava ir muito à “Educational Bookshop”, em Jerusalém; um lugar para falar de tudo, e nomeadamente de literatura sobre Palestina. Comentávamos o bom e o mau do que ia saindo, e de facto, agora há gente que me pergunta pela literatura palestina, o qual me encanta.
Acho que se desconhece a vida cultural, que há, e muita. Desconhece-se porque não são as artes as que alimentam o poder nem as guerras, mas há poetas impressionantes como Najwan Darwish ou Tamim Barghouti, e outros, que sem terem obra publicada, escrevem e recitam, porque a poesia é algo mui próprio da cultura árabe, como o são os contos. E aí estão as histórias, os chistes e também romancistas como Sahar Khalifeh, Suad Amiry ou Rajah Shehadeh, que também escreve ensaios. Depois, está a voz palestina na diáspora, onde há vozes e vozes: Randa Jarrar, que agora está em galego, Susan Abulhawa, Natalie Handal, Remi Kanazi, Shuheir Hammad ou Rafeef Ziadah. Além disso, está o Palfest, um festival de literatura que reúne muita gente em recitais, obradoiros de criação literária, atuações…
No cinema, o campo de refugiados de Balata, por exemplo, faz um labor mui importante aí, trabalhando desde a base, e também em Dar Na-Nadwe, em Belém, onde há muitos grupos de teatro. No cinema, Tarzan e Araba estão a fazer filmes desde Gaza para o mundo, um cinema diferente aos muitos filmes que têm a ver com o drama social e histórico, e que são mui precisas, por essa necessidade que comentava antes de fazer arte. E para além deles há uma longa lista de pessoas trabalhando: Hany Abu Assad, Elia Suleiman ou Suha Arraf, por exemplo, ou o festival de cinema feito por mulheres: Shashat, ou o trabalho das salas de cinema que há e do Teatro da Liberdade em Jenin.
A música, como a poesia, é uma constante em Palestina. Ademais da música tradicional e do baile, o dabke, há grupos e cantantes excelentes, que em muitos casos musicam poemas: DAM, Basel Zayed, Ruba Shamshoum ou uma menina como Miral Ayad. Também é impressionante algo que faz uma poeta como Farah Chamma, que recita em português, em francês, em árabe ou em inglês e que incorpora música às suas performances carregadas de palavras como balas, como faz, na pintura um outro talento mui novo, Mohammad Qureiqai, que pinta e debuxa Gaza, permitindo que se veja essa outra realidade que não sai nos meios de comunicação.
– Palavra Comum: E como está sendo a tua experiência atual na China… Que é o que mais destacarias?
– Moncho Iglesias Míguez: Um prazer porque é um novo descobrimento. A cultura chinesa é mui vasta e desconhecida, por isso é toda uma aventura, uma viagem enorme. As aulas que dou são muito amenas, porque estou a dar matérias que nunca dera e das que gosto: leitura de jornais, literatura ou escritura criativa, por exemplo. Como sempre, aprendo muito ensinando e gozo imenso com esse trabalho. Além disso, gosto de viajar, e China tem muito que visitar. Amo o cinema e é impressionante a produção chinesa. Não posso ver tanto como desejo porque não todas as películas têm legendas, mas adoro o trabalho que fazem. Na literatura é mais complicado, porque não há muito traduzido, ainda que tenho um bom alunado que já me contou muitas lendas e contos tradicionais.
Destacaria a paciência chinesa, são mui calmados e trabalhadores; o ritmo de vida é muito diferente, e também o jeito de entendê-la.
– Palavra Comum: Com todo o anterior, qual é a tua visão do mundo de hoje (e também de Galiza: como a vês e como desejarias vê-la)?
– Moncho Iglesias Míguez: Vejo um mundo mui ególatra, onde só importa o eu e o tu importa no momento no que pode afetar ou parece que poderia chegar a afetar o meu próprio ego. Vejo um mundo preguiçoso que só dá ordens para que se mova a engrenagem e rápido, para que não haja tempo para pensar, para que tudo se mova e não fique tempo para razoar. Vejo um mundo de pantalha, em muitos sentidos. Há pantalhas por toda a parte, uma ditadura de imagens que unifica a ignorância, essa amiga cruel da valentia mais cruel.
Desejaria ver um mundo onde os olhos mirassem outros olhos em vez de pantalhas, um mundo onde as crianças não sejam protagonistas por morrer antes de chegar a ser adolescentes, um mundo mais caritativo com o outro, de sinceridade e não por medo ao que me pode passar a mim. Desejo, em definitiva, um mundo onde não haja que pedir o impossível porque este existe.
– Palavra Comum: Que projetos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– Moncho Iglesias Míguez: Tenho apontamentos por toda a parte, e é que escrevo em papel, normalmente em lápis, e recolho palavras que escuto ou imagino no momento que vêm. Estou a trabalhar num ensaio sobre literatura palestina. Gostaria de rematar a tese, e penso que este ano vai; um trabalho sobre os contos de tradição oral palestinos.
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