João Pedro Mésseder (n. 1957, Porto): nome literário de José António Gomes. Publicou cerca de três dezenas de livros para adultos e para crianças (poesia, escrita aforística, conto, ensaio, etc.). Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho – Poesia 1999 pelo livro Fissura (Caminho, 2000); 1.º Prémio do 5.º Concurso Literário do Sindicato dos Professores da Região Centro por Uma Pequena Luz Vermelha (2000); Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância 2014 por Pequeno Livro das Coisas (Caminho, 2012); Menção Especial do Júri do Prémio Compostela para álbuns infantis, 2008 por Trocar as Voltas ao Tempo (Eterogémeas, 2009). Versos com Reversos (Caminho, 1999) e Palavra que Voa (Caminho, 2005): Listas de Honra do IBBY (International Board on Books for Young People) de 2000 e 2006, respectivamente; Timor Lorosa’e: A Ilha do Sol Nascente (Ambar, 2001): selecção White Ravens 2003 da Biblioteca Internacional da Juventude de Munique; De Umas Coisas Nascem Outras (Caminho, 2016): selecção Eurotoolbox 2016-2017 do CILIP (Chartered Institute of Library and Information Professionals). Doutorado em Literatura Portuguesa. Investigador do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e de outros centros e redes de investigação. Professor do ensino superior (Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto), ensaísta e crítico com vários livros editados.
– Palavra Comum: Que é para ti a literatura?
– João Pedro Mésseder: Literatura é tudo e nada. Por vezes o tudo ou nada. Destruição de mundos, construção de mundos, reconstrução de mundos, doença e lenitivo. É compromisso com o tempo (o do escritor), mas também alternativa ao aqui e agora. Evasão, revelação e conhecimento, literatura é o que se faz com palavras, não com ideias ou sentimentos. E é resguardo e reinvenção dessas palavras, antídoto contra o seu desgaste diário. É minúcia e torrente. Música verbal, arte e anti-arte, e linguagem saturada de ritmos e de sentido. É uma expressão cuja utilidade assenta na sua inutilidade. Na literatura existe muito de música, de pintura, de escultura e de arquitectura… Transpondo para este campo o que Pessoa escreveu sobre o mito, literatura é o nada que é tudo.
– Palavra Comum: Como levas adiante o processo de criação literária?
– João Pedro Mésseder: Eu escrevo em geral poemas curtos, pensamentos, aforismos, narrativas muito breves para adultos (“Contos do quarto minguante” (2014), por exemplo). Também escrevo outro tipo de poemas em verso e em prosa que destino à infância. Por vezes, contos e textos para álbuns narrativos dirigidos ao público infantil, além de recontos de histórias tradicionais.
Neste trabalho de criação, em geral sou algo indisciplinado e, actualmente, escrevo muito por ciclos textuais: ciclo das cores (o meu livro “A doença das cores seguido de Ilhas de Deus” (2016) é um exemplo), ciclo do tempo, ciclo da música… Cada ciclo arranca em geral com um ou dois pequenos textos e depois prolonga-se durante dias até se esgotar. A seguir é o trabalho de reescrita, de reordenação, um esforço de acabamento que parece nunca estar concluído. Por vezes, gosto mais deste trabalho do que do primeiro.
Nas narrativas – que produzo pouco – sou mais disciplinado. Como quando escrevi, para jovens, “O meu primeiro Miguel Torga” (2009), espécie de biografia de Torga, ou ainda “A história de Frei João da Esperança” (2013).
Mas também há uma vertente crítica e ensaística no meu trabalho, que assino com o nome José António Gomes. Essa obedece a uma disciplina maior. Em Fevereiro de 2017, por exemplo, sairá o meu livro “A Música das Palavras”, com artigos sobre escritores portugueses que produziram poesia para a infância musicada por compositores como Lopes-Graça, Francine Benoît ou Suzana Ralha. Tenho publicado ensaios sobre literatura portuguesa (Eugénio de Andrade, Luísa Dacosta e outros autores e temas) e sobre literatura para a infância e a juventude (Matilde Rosa Araújo, Manuel António Pina, Alice Vieira e outros). Em 1998, escrevi o livro “Para uma História da Literatura Portuguesa para a Infância e a Juventude” editado pelo Ministério da Cultura / Instituto Português do Livro e das Bibiotecas.
– Palavra Comum: Qual consideras que é – ou deveria ser – a relação entre a literatura e outras artes (música, cinema, artes plásticas, etc.)? Que experiências tens, neste sentido?
– João Pedro Mésseder: Bom, essa relação é inevitável, porque ingénita, e sempre me atraiu. Não por acaso, leccionei, durante anos, uma unidade curricular de Literatura e Música a estudantes de uma licenciatura em Educação Musical – o que me dava enorme satisfação. Os universos da poesia trovadoresca, dos Lieder de Schubert, da chamada música programática, da ópera, dos blues norte-americanos, das canções compostas por Fernando Lopes-Graça, da música de uma Violeta Parra, de um Paco Ibañez ou de um José Afonso seduziram-me sempre. Bem como toda a música popular anglo-saxónica, francófona, italiana, brasileira em que o texto é relevante (Dylan, Cohen, Joni Mitchell, Neil Young, Lou Reed, Brassens, Brel, Ferré, Eugenio Finardi, Chico Buarque…). O mito de Orfeu prova-o e não há volta a dar: literatura e música nascem de mãos dadas, quase se confundem, separam-se e de vez em quando tornam a juntar-se… Eu aprecio além do mais parcerias como, por exemplo, as de Weill/Brecht, Jobim/Vinicius de Moraes e outras.
Vários poemas meus para a infância foram musicados (por Suzana Ralha, por Pedro Moura, por Joaquim Coelho…) e transformados assim em canções. Foram gravados em CD e/ou surgiram em espectáculos, musicais e teatrais. No passado dia 10 de Janeiro, por exemplo, o grupo de teatro Andante estreou, no auditório da Escola Superior de Educação de Lisboa, o espectáculo “Andante (des)concertante”, quase todo baseado em poemas do meu livro “Guardador de Árvores” (2009). É um exemplo da relação do que escrevo com a linguagem teatral, incluindo a música (uma canção de Joaquim Coelho) – embora não tenha sido eu a procurar tal relação.
Também me atraíram sempre as experiências da poesia visual e a relação entre a palavra e a ilustração (muitos dos meus livros são ilustrados: por Rachel Caiano, Ana Biscaia, Inês Oliveira, Gémeo Luís, Luís Henriques, Manuela Bacelar, Daniel Silvestre da Silva, Fátima Afonso, Susa Monteiro, Evelina Oliveira, Roberto Machado, Emílio Remelhe e outros) e, no que toca ao cinema, alguns dos cineastas que mais admiro partiram muitas vezes de obras literárias para os seus filmes (Kazan, Visconti, Kubrick, Truffaut…). Filmes que, de algum modo, são muito literários.
Os estudos interartísticos são uma área de investigação que faz todo o sentido e acredito que, em futuro próximo, a escrita literária e outras linguagens (música, expressão sonora electrónica, linguagens visuais, linguagem teatral…) cruzar-se-ão cada vez mais, em novos objectos artísticos multimédia.
Em “Infinitivo Im/pessoal” (2004), para adultos, ou em “Que luz estarias a ler?” (2014) – dedicado à memória das mais de 500 crianças mortas em Gaza em Julho e Agosto de 2014, e escrito para todos, incluindo os mais novos – já me aconteceu também construir histórias partindo dos desenhos de outros, nestes casos de Gémeo Luís e Ana Biscaia, respectivamente.
– Palavra Comum: Quais são os teus referenciais –num sentido amplo–? Quais deles achas que são desconhecid@s (ou preteridos) ainda injustamente?
– João Pedro Mésseder: Os meus referenciais artísticos são tantos que não os poderia citar todos, uma lista que está sempre a mudar. Aqui e agora, quero fixar-me num rol restrito: a poesia trovadoresca, Camões, Bashô, Oscar Wilde, Rilke, Camilo Pessanha, Pessoa, Ramón Gómez de la Serna, Machado, Lorca, alguns surrealistas franceses, Aquilino Ribeiro, Brecht, Carlos de Oliveira, Sophia de Mello Breyner Andresen, Mário-Henrique Leiria, António Ramos Rosa, Kerouac, Eugène Guillevic, Yourcenar, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Roland Barthes, Tranströmer, alguns italianos como Ungaretti, Umberto Saba, Pavese, Sandro Penna. Leio espanhóis como José Luis Parra, a haijin valenciana Susana Benet e aprecio alguns livros de Andrés Neuman… E quero referir, pelo menos, um galego contemporâneo, já falecido, cuja escrita me impressionou: Uxío Novoneyra – além da grande Rosalía, uma autora «clássica» da literatura galega. Poderia referir outros, como por exemplo Antonio García Teijeiro, na poesia para a infância.
Em próxima entrevista, a lista mudará certamente e outros entrarão.
Na música, os meus referenciais são Monteverdi, J. S. Bach, Haendel, Vivaldi, Schubert, os blues, Bessie Smith, Billie Holiday, Miles Davis e o jazz em geral, Neil Young, Joni Mitchell, Lou Reed, Paco Ibañez, Carlos Paredes, José Afonso, Chico Buarque de Hollanda, Milton Nascimento… Refiro-os, porque têm influência directa ou indirecta no que escrevo. Na pintura, Amadeo de Souza Cardoso, Paul Klee e muitos outros.
Reportando-me a Portugal, acho que, no domínio da literatura, os portugueses Aquilino Ribeiro (1885-1963) e Daniel Faria (poeta precocemente falecido, em 1999), o brasileiro Mário Quintana, o francês Eugène Guillevic mereciam mais atenção e estudo. A poesia portuguesa contemporânea tem uma voz singularíssima de mulher que é Inês Lourenço, a carecer de estudos aprofundados. Na narrativa, gostava de destacar o caso de Mário de Carvalho, escritor que admiro muito (tenho apreço também por sua filha Ana Margarida de Carvalho, romancista, e pela sua outra filha, Rita Taborda Duarte, poeta, crítica e autora de livros infantis).
Desejaria, por outro lado, que o leitor tivesse oportunidade de conhecer, além das fotografias, os livros de contos breves e micro-contos, de cartoons e de Tangram, de circulação quase confidencial, do meu amigo Augusto Baptista. Bem como os haikus bilingues (em Francês e em Português) de Bernardette Capelo.
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras e d@s escritor@s com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária hoje?
– João Pedro Mésseder: Bom, eu sou muito crítico em relação ao excesso de festivais literários, em Portugal. Acho que servem para pouco e têm sido um exemplo crescente de mercantilização e instrumentalização da actividade literária e cultural. Reconheço, por outro lado, que as experiências de “poetry slam”, na sua especificidade, ou as sessões individuais de leitura oral, por escritores, em pequenos espaços, livrarias, galerias e bibliotecas, sessões essas seguidas de debates, podem ser actividades mais produtivas, no sentido de elevar o grau de comunicabilidade da literatura e de promover a leitura literária (pessoalmente, gosto de ler em voz alta e penso que a minha leitura produz algum efeito). Destaco também os bons espectáculos teatrais construídos em torno da palavra poética, por exemplo os do grupo português Andante – Associação Artística. São exemplos conseguidos de promoção da palavra literária que vão para lá do livro e que os jovens, por exemplo, podem apreciar.
Já num outro plano, incomoda-me, em alguma escrita contemporânea, a ausência de compromisso do autor com o seu tempo. Choca-me o carácter quase inofensivo, do ponto de vista sociocultural, de muita dessa escrita (egocêntrica em excesso). É uma tendência que gostaria de ver alterada. E de assistir a eventos concretos em que ela fosse contrariada.
Também é triste constatar que, em Portugal, a crítica literária divulgativa, nos media escritos e áudio-visuais, é chão que deu uvas. Praticamente deixou de existir. Daí que a história e a crítica literárias se encontrem, neste momento, acantonadas na esfera universitária e tenham como veículos preferenciais os “papers” em congressos e colóquios, além das revistas e volumes monográficos de natureza académica.
– Palavra Comum: Como vês a literatura portuguesa nestes momentos?
– João Pedro Mésseder: Globalmente, vejo-a como uma literatura forte, digamos assim. Forte sobretudo na poesia, pelo menos até finais do século XX. Hoje menos, porque entretanto partiram David Mourão-Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Cesariny, António Ramos Rosa, Herberto Helder, Manuel António Pina…, embora figuras que não podemos ignorar prossigam o seu labor, como Albano Martins, António Osório, Manuel Gusmão (poeta complexo mas fundamental, além de notável ensaísta) e outros ainda, como os oriundos do grupo de ‘Poesia 61’, a par de vozes mais jovens. Desaparecidos Torga, Vergílio Ferreira, Saramago, Maria Judite de Carvalho, Fernanda Botelho, Luísa Dacosta e Urbano Tavares Rodrigues, com Agustina Bessa-Luís retirada da vida literária por doença, mas com uma obra imensa, continuamos a ter figuras de inegável valor na narrativa ficcional (há pouco, referi duas vozes, pertencentes a gerações diferentes, Mário de Carvalho e Ana Margarida de Carvalho, mas poderia mencionar outras como Hélia Correia, Lídia Jorge – embora ache que Mário de Carvalho é talvez o mais relevante prosador português da actualidade: diversidade temática e de género, interesse pela ficção de fundo “histórico” mas igual atenção à actualidade, inventividade técnico-narrativa, humor e sentido crítico, apuro extraordinário de linguagem. Gonçalo M. Tavares é por muitos considerado um fenómeno e tem tido certo impacto internacional. Pensamento seu, voz própria tem-nos, sem dúvida. Menos falada, mas singular, é a escrita de Francisco Duarte Mangas. De singularidade se pode igualmente falar a propósito de Afonso Cruz. Na literatura para a infância e a juventude, há rumos novos, por vezes surpreendentes, como os de Isabel Minhós Martins e Ana Pessoa, e poetas de mérito incontestável, como Nuno Higino. Quanto à projecção do ensaísmo literário e filosófico na sociedade, é cada vez menor. Quer por razões de mercado editorial (as editoras apostam quase nada no ensaio e ele acaba, por isso, relegado para a esfera académica, onde tem expressão pujante, sobretudo em publicações universitárias, mas com repercussão pública muito diminuta). Mesmo assim, vozes como as de João Barrento ou Manuel Gusmão distinguem-se invariavelmente pela qualidade e ousadia do seu pensamento sobre a literatura. E Eduardo Lourenço continua a ser uma voz ‘sui generis’, difícil de ignorar.
Preocupa-me contudo, como já disse, certo divórcio entre criadores literários e contexto sociopolítico (com honrosas excepções, claro), a própria desvalorização social da literatura e da leitura literária, bem como uma espécie de conformismo um tanto oportunista e um individualismo feroz que alastram, como uma doença, no meio literário. Como todos, creio eu, também o meio literário português é insuportável.
– Palavra Comum: Que perspectiva tens sobre Galiza e a sua vinculação com a Lusofonia? Que experiências de intercâmbios tiveste?
– João Pedro Mésseder: Parece-me que a Galiza ganharia com uma aproximação maior à Lusofonia. E a própria Lusofonia – que tem de assentar na valorização da diversidade expressiva e da criatividade linguística – ganharia com isso. Acho que aos países de língua portuguesa (nomeadamente Portugal e Brasil) tem faltado iniciativa concreta para que tal aconteça. Se as nossas instituições culturais, por exemplo, soubessem integrar melhor a Galiza, estou certo de que se assistiria a um crescendo de entusiasmo do lado galego, o qual se concretizaria em acções concretas – porque, no passado, houve circunstâncias particulares em que tal aconteceu.
Pela minha parte, algo fiz. Já publiquei textos literários escritos em colaboração com autores galegos (Paco Martín, Gloria Sanchez). Um livro meu, para adultos, “Abrasivas” (2006) é bilingue tendo sido traduzido para Língua Galega (coisa desnecessária segundo alguns) por Anxo Tarrío e Blanca-Ana Roig Rechou. Tenho três livros meus editados na Galiza: “O Tempo Voa” (Kalandraka, 2010); “Como un Golpe de Vento”, em co-autoria com Gloria Sánchez, Paco Martín e Anabela Mimoso (Xunta de Galicia/DRCN, 2006); “Contos Tradicionais Portugueses” (Ir Indo, 2002), este assinado com o nome José António Gomes.
Fui, além disso, consultor literário de editoras, do que resultou a edição em português de livros juvenis de Agustín Fernández Paz, Xabier P. DoCampo, Marilar Aleixandre, Miguel Vásquez Freire, Xosé Antonio Neira Cruz… Abri as páginas da revista “Malasartes – Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude”, que fundei e dirigi entre 1999 e 2011, a artigos em língua galega e à crítica de livros galegos. Colaborei com textos críticos na revista galega “Fadamorgana”. E creio ter sido o primeiro a escrever, em Portugal, sobre Agustín Fernández Paz, e a apresentar em sessão pública, no Porto, o seu primeiro livro traduzido para português, a par de um outro de Fina Casalderrey. Escrevi ainda sobre a poesia de Marilar Aleixandre. Devo dizer, aliás, que foi Agustín Fernández Paz que promoveu a publicação de poemas meus na revista galega de poesia “Dorna”, há muitos anos já.
Por outro lado, integro desde 2004 uma rede de investigadores ibéricos e ibero-americanos em literatura infantil e juvenil (LIJ) coordenada a partir de Santiago de Compostela, e faço parte de ELOS, associação galaico-portuguesa de investigadores em LIJ. Já dei algumas aulas, em dois anos sucessivos, num máster da Universidade de Santiago e, desde finais da década de 90 até hoje, co-organizei no Porto mais de 20 encontros luso-galaicos, de natureza científica, dedicados ao estudo da LIJ. Desses encontros – que têm divulgado escritores, ilustradores, editores e investigadores da Galiza – resultou a publicação de livros escritos em português e em galego. Tenho participado também em numerosos colóquios e congressos literários na Galiza, na área da LIJ.
– Palavra Comum: Que vínculos há, do teu ponto de vista, entre arte(s) e vida(s)?
– João Pedro Mésseder: Há todos os vínculos que se possam imaginar (embora os leitores que confundem arte e vida sejam sempre gente equivocada, porque, mesmo nos textos mais autobiográficos, a escrita recria o vivido e transfigura-o). Os vínculos de que falo partem, a meu ver, do reconhecimento de que a vida é o húmus de que a arte se alimenta. E a própria arte é susceptível de alimentar a vida. Além do mais, para mim, não existe arte que não seja política (incluindo o soneto mais puramente amoroso que possamos encontrar na lírica de Camões). Mais um dos elos existentes entre arte e vida, porque também na vida tudo é político.
– Palavra Comum: Trabalha no ensino. Qual é sua visão sobre a sua situação actual?
– João Pedro Mésseder: Não é uma visão positiva a que tenho sobre o ensino – embora, com o passar dos anos, a actividade de professor me tenha, paradoxalmente, seduzido de modo crescente. Quando consigo estabelecer comunicação autêntica com alguém mais jovem e sinto que o/a ajudo a experimentar alguma revelação e a gostar do que aprende, a minha alegria é imensa. Gostaria, no entanto, de revalorizar a palavra ensino (que tem sido cada vez mais desvalorizada) e não dar apenas importância à palavra aprender. Saber ensinar é uma tarefa de grande nobreza. Pela minha parte, não quero esquecer os mestres que tive e o que me ensinaram. Na escola e na vida.
A tecnologização do ensino, o declínio das Humanidades, a ascensão da nova ignorância (como lhe chama José Pacheco Pereira), que é tão arrogante, a desvalorização do esforço, do trabalho, daquilo que é da ordem do difícil, do complexo – são coisas que me atormentam.
– Palavra Comum: Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– João Pedro Mésseder: Os meus projectos são relativamente vagos e não gosto muito de os equacionar (até porque, na verdade, prefiro sentir que não tenho projectos, prefiro a entrega ao que venha, valorizo o acaso, o acidental, os encontros inesperados – ainda que, quando eles acontecem, me dedique depois a torná-los projectos realizáveis). Apesar do que estou a dizer, tenho em mente editar mais alguns livros que necessitam de acabamento (poesia, escrita aforística e alguns livros para a infância).
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