Conheci edu_ALBO num dos muitos e inebriantes baretos de Monte Alto (Corunha), acabando por terminar esse mesmo dia no seu estúdio, entre amigas, música, copas de vinho e subtis pinceladas que ele ia dando aqui e ali em obras por acabar como se desejasse que o tempo se perpetuasse “O tédio e a repetição são muito parecidos à morte” afirma o pintor. Reticente a elitismos que muitos apregoam, edu procura acima de tudo uma ética na sua arte, uma bondade como ele mesmo refere, em busca das raízes mais genuínas da alma humana. Explorando o realismo conceptual através de objectos do quotidiano tais como taças de café, sapatilhas ou até motores de automóveis clássicos, penetra assim com a sua obra na solidão, no vazio, no sonho, na frágil potência da condição humana, essa mesma que hoje se encontra numa espécie de encruzilhada.
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Não podia deixar de começar por te perguntar como tens vivido os pandémicos dias que correm e se de alguma forma têm influenciado o teu trabalho?
Primeiro queria começar por agradecer-te por contar comigo para esta conversa. Realmente “isto” tem sido terrível, pela primeira vez na minha vida estive vários meses sem poder pintar e hoje em dia ainda me custa concentrar-me, demasiada morte e medo, e não era necessário amplificar os sentimentos que temos sobre a vida, mas assim foi. Espero que isto tudo termine algum dia, lamento muito o ocorrido. Animo a todos aqueles que passaram mal.
Confessavas-me numa conversa que um dia decidiste abdicar do que é considerada uma vida profissional mais estável, um trabalho normal, uma vida normal. É inevitável o momento em que temos de tomar essa decisão, a arte ou o tédio absoluto do dia ordinário? Transformar a vida numa obra de arte, para que a vida aconteça?
O tédio e a repetição são muito parecidos à morte, Bukowski explicou isso muito bem e eu penso o mesmo. O feito artístico interessa-me fundamentalmente porque pela honestidade de criar; é difícil executar, é muito complexo criar. Uma vida “normal” passa demasiado rápido e não é propriamente esgotadora, o que faz por outro lado com que a mesma seja inexistente e sem interessante algum, é pura mortalha, adereços para vidas sensoriais e artísticas que, como a minha, surgem duma transformação vital, do risco e da valentia. Contudo não deixo de respeitar todas as opções vitais, sempre e quando se governem pela bondade.
Entrar no teu estúdio é como entrar numa espécie de templo, onde também partilhas o teu tempo com amigos. Para criares é necessária essa relação afectiva com o outro?
Gosto de popularizar e assim levar a arte a todo o mundo (pop art); é muito importante partilhar pensamento e reflexão com outras pessoas, artistas ou não, se isso acontece no meu estúdio sinto-me mais protegido pelas minhas criações e mais livre para expressar-me; além disso é mais fácil a recepção de ideias e energias que apoiam a criação e que são proporcionadas por essas outras pessoas, espectadores e interlocutores de sentimentos. Sim! É um templo e uma espécie de cápsula que me protege do exterior. É muito doloroso sair dele todos os dias.
“O meu estúdio é um templo
que me protege do mundo exterior”
Como vês o processo criativo num tempo de hipercomunicação, com as redes a tomarem o control definitivo das nossas vidas, colocando-nos numa constante febre do imediato onde parece valer tudo?
A hipercomunicação é igualmente beneficiosa e prejudicial. No processo criativo, hoje, tem-se acesso a toda a informação que se queira, que se necessite, tanto para nos influenciarmos como para criar, criticar, opinar, etc. Cada qual é responsável de escolher como deve utilizar a rede e decidir ou não a prostituição do seu trabalho, da sua vida, das suas criações. Ter acesso a toda a informação faz com que seja soberanamente fácil encontrar criadores mentirosos e desonestos, os não artistas que só executam sem mais, e isso é também uma enorme vantagem e por outra lado tem-se acesso a essa outra informação que são as obras dos maestros de hoje e de ontem. É o tipo de uso que cada um lhe dá ou que determina como conduta, pode parece simples mas não é, e ninguém se deve obrigar ao imediato nem a observar a maldade. Eu pessoalmente gosto.
Acreditas nesta humanidade, achas que ainda é possível a vida sob estas novas fronteiras tecnológicas do poder?
O ser humano é uma espécie absolutamente desalentadora, a misantropia é uma boa e inteligente postura, mas não creio que tenha sido a tecnologia que tenha estragado tudo, considero que o humano é uma espécie a extinguir e embora essa “vida” que referes não é a vida explicita, eu aventuro-me a dizer que a vida não é possível, logo extinguiremo-nos em breve. A existência por sua vez é possível como era na Idade Média, de verdade que é isso que eu penso, nada mudou além da velocidade como processamos a informação ou os meios tecnológicos que passamos a usar, o resto continua igual como há milhões de anos. Continuam a existir as mesmas necessidades, injustiças e desigualdades, mas sim, agora temos dados claro e concisos de todo isso.
Voltando à tua arte, os teus quadros giram quase sempre à volta de objectos do quotidiano, motores, sapatos, taças de café…é uma tentativa de furares na imobilidade e através da representação dos objectos expressares a condição humana?
Os objectos são absolutamente humanos, estão todos eles inventados e fabricados por humanos, daí o meu interesse por expressar o que eu quero através dos objectos, intitulo-os de “retratos existências” e representam a existência humana, a incompletude do ser em todas e cada uma das circunstâncias da vida, o incompletude por perda ou por não ter conseguido o desejado, o exigido socialmente. Os títulos das minhas obras são um complemento perfeito com as reflexões que estabeleço, “human being” ou “you” são os mais utilizados, com esse motivo creio que se clarifica bastante a minha intenção no momento de expressar-me.
Li nas tuas redes sociais que tens uma obsessão por bandejas e as pintarás sempre. Objeto fetiche?
Estas bandejas, precisamente, são intituladas “you”, além do que referi acima, devo dizer que estas representam as relações humanas de uma maneira mais clara, e as interações com os outros da nossa espécie. O mais importante da minha obra, o mais característico, e que se aparecia nestes quadros, são sempre vistas frontais, essa perspetiva eliminada é justo a solidão existencial, dentro do formigueiro humano onde ao mesmo tempo somos todos não deixando de seres diferentes, a perspetiva é a farsa existencial, a interpretação, a máscara que significa a palavra “persona”, a farsa das relações humanas.
Como os motores clássicos dos automóveis.
Insisto nos meus títulos, estes motores intitulam “heart”, os motores estão formados por centenas de peças que são as que fazem o arranque e proporcionam força e vida a algo, quiçá no haja mais nada que explicar. São objectos, são humanos, é a vida. Não admito a arte sem essa parte honesta da conceptualidade, valorizo a estética e a técnica mas a parte conceptual e a reflexão são para mim a que mais peso tem. Um motor, um coração que bombeia alento e que sem esse mesmo motor, sem coração, a vida terminaria ou deixaria de existir, sem esse combustível ou sem a essa chama que o accione tudo.
E para terminar, Radiohead para criar, viver, chorar?
Radiohead soube inovar, tal como o grupo, de Talking Heads, que com um dos seus temas deu origem ao nome da banda. É um grupo que para mim soube defender a criação desde o pesar existencial, desde a tristeza. A mim comove-me enormemente ouvi-los e é a banda que sem dúvida me faz sentir intensamente. É como se fosse um deus, o deus do sentir, aquele que me defende na criação e me acalma na existência. Foi a banda que me acompanhou nos bons e nos maus momentos, a beleza das suas peças reconforta-me e ajuda-me a sentir com mais força. E eu agradeço-lhes a sua sensibilidade, profissionalismo e seriedade. A minha banda favorita, sem dúvida, e sim, choro todos os dias de emoção ao ouvi-los, comovem-me.
Nota do editor: as respostas originais foram traduzidas do castelhano por TAC.