Escrevo-te de C. cheiinho de saudades da nossa terra. Estou calmo e meditativo. Medito muito e com qualidade. Tu bem sabes que qualidade não me falta. O que me falta é dinheiro para a poder afirmar. Ou impor. Ou aquilo que tu entendas por melhor. Só tu me compreendes. A fotografia que te mando é do café onde tomo todos os dias o pequeno-almoço: uma meia de leite e uma torrada, ou um galão e meia torrada, ou uma empadinha de galinha com sumo de laranja, ou uma sandes de fiambre com um copo de leite frio, ou um chá com meia torrada e sem açúcar, ou um queque com um café, ou, nos dias de depressão linguística, uma garrafa de água das pedras com uma rodela de limão e mais nada. Mas mesmo mais nada, que eu não sou de meias tintas.
Todos os dias como também uma maçã que trago de casa, sentado a ver as pessoas passar. Tiro-a do bolso e dou-lhe trincas decididas. Entretanto as pessoas passam rápidas e nervosas. Parecem cavalos de corrida. E eu pareço um touro sentado num banco de jardim. E o banco parece mesmo um banco de jardim. E o jardim parece um jardim com um banco. E eu pareço um touro manso sentado num banco de jardim vendo passar pessoas sem tino nem propósito, enquanto dou dentadas cadenciadas na maçã sumarenta. Continuo a gozar os rendimentos que possuo antes que me apague e cá fiquem os próprios com uma carga de inutilidade inconveniente. Por vezes fecho os olhos e recordo os momentos deliciosos em que me sentava num banco de madeira feito pelo meu pai. Era nele que sonhava com burros voadores e com porcos caprichosos e gordos. Fora isso entretenho-me a gozar os rendimentos como quem faz rega gota a gota. PS – O espaço posterior da foto já não dá para escrever mais nada a não ser que, por favor, não te esqueças de dar de comer e beber à salamandra gigante (Andrias davidianus).
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