O Gabriel Nascente é sem dúvida um homem generoso. Certo dia recebi um pacote com um livro dele e uma carta em que dizia que um amigo seu lhe tinha falado de mim, poeta galego, e que gostava assim de estabelecer contacto comigo. Assim, apresentando-se presenteando. Fiquei agradecido e contente, a imediatamente lhe enviei o livro colectivo de poetas corunheses de que dispunha naquele momento.
Então mais: recebi mais livros, e um trecho de cultural de jornal em que louvava os poemas do nosso grupo poético publicamente. Na Goiânia, um lugar que teve de procurar no mapa pela minha grande ignorância, e que já nunca mais esquecerei.
Reparem: há gente no interior do Brasil, esse continente, que conhece e fala dum pequeno grupo de poetas da Corunha. Se o afã de comunicação não tem limites, evidentemente os corações verdadeiramente abertos à arte, e à vida portanto, já nem concebem o próprio conceito de limite.
Há algum tempo já que este amigo me enviou estes poemas sobre o conflito do Iraque. Hoje ainda, infelizmente, não deixam de ser plenamente actuais.
A CANÇÃO DO VISIONÁRIO
(A propósito da guerra do Iraque)
(A propósito da guerra do Iraque)
Quando os homens acionarem a
ignição de suas máquinas de guerra,
guardarei unha semente de trigo
na cabeceira dos brejos – (lá onde
a terra se mistura com o soluço das águas).
ignição de suas máquinas de guerra,
guardarei unha semente de trigo
na cabeceira dos brejos – (lá onde
a terra se mistura com o soluço das águas).
E levarei hosanas
aos presidiários.
aos presidiários.
Os meninos pressentirão nos dedos
a pólvora
das explosões sanguinárias.
a pólvora
das explosões sanguinárias.
A poeira do estupor
correrá o mundo.
correrá o mundo.
A luz lamberá a chusma das feridas.
E enormes cogumelos de nuvens atômicas
assustarão as janelas (num espectáculo
de aviltar a frieza dos mármores).
assustarão as janelas (num espectáculo
de aviltar a frieza dos mármores).
E imperceptivelmente um tordo, triste,
cantará sobre os escombros.
cantará sobre os escombros.
A água ficará enferma
em suas nascentes.
em suas nascentes.
E será moda lambuzar os nossos pratos
com molho de vísceras cadavéricas.
com molho de vísceras cadavéricas.
E as ovelhas, meu Deus, as ovelhas…
do árido território dos desertos,
para onde vão buscar abrigo,
entre os vales de pedras,
há milênios?
do árido território dos desertos,
para onde vão buscar abrigo,
entre os vales de pedras,
há milênios?
As hortaliças. O pão.
Mãos à obra de quem?
Mãos à obra de quem?
Nem os rios terão tempo de prantear
a caveira de suas faunas.
a caveira de suas faunas.
Choraremos a solidão dos nossos ossos.
Gabriel Nascente
(Sala Albert Camus, Goiânia, 16 de Fevereiro de 2003)
(Sala Albert Camus, Goiânia, 16 de Fevereiro de 2003)
UMA PROFECIA DE MAL GOSTO
(A propósito da guerra do Iraque)
(A propósito da guerra do Iraque)
I
Tempos ruins virão (abrindo
crateras no rosto dos homens).
Tempos ruins virão (abrindo
crateras no rosto dos homens).
As ovelhas e os meninos
na mira dos aviões,
(despejando bombas do ventre
atroz de suas missões).
na mira dos aviões,
(despejando bombas do ventre
atroz de suas missões).
O sol lá dos insípidos desertos…
que dó: O Eufrates.
que dó: O Eufrates.
Minas de larvas brotarão
da raiz dos nossos olhos.
da raiz dos nossos olhos.
Não haverá tempo para
o último uivo do lobo.
o último uivo do lobo.
Ó raça de povos erradios, com
sangue de camelo nas veias:
Orientais fanáticos, bebei
postos de petróleo:
sangue de camelo nas veias:
Orientais fanáticos, bebei
postos de petróleo:
II
Tempos ruins virão (abrindo
crateras nos abismos do céu).
Tempos ruins virão (abrindo
crateras nos abismos do céu).
Loucos e histéricos, os homens
já se estraçalham uns aos outros,
feito ventanía de moscas, na carniça.
já se estraçalham uns aos outros,
feito ventanía de moscas, na carniça.
Os homens e seus trágicos
instrumentos de cortes e fogo.
(Espalhando cadáveres pelas
cidades e pelos campos).
instrumentos de cortes e fogo.
(Espalhando cadáveres pelas
cidades e pelos campos).
III
E eu já ouço,
daqui dos subúrbios desta América,
o grito de pavor das crianças
buscando abrigo no colo das mães.
E eu já ouço,
daqui dos subúrbios desta América,
o grito de pavor das crianças
buscando abrigo no colo das mães.
Viver é uma dor.
Guitarras vão às ruas
pedir paz.
Guitarras vão às ruas
pedir paz.
O mundo é um tambor
de povos
na mira dos massacres.
de povos
na mira dos massacres.
Tempos ruins virão.
(Tomara que isto seja apenas
uma película de cow-boy americano).
uma película de cow-boy americano).
More from Uncategorized
Mudam os tempos não mudam as vontades
O levantador de minas muda de local para Blogaliza, como apoio aos soportes galegos. E tamén polo servizo, que parece …
Manuel Antonio e o anarquismo
En 1997 saíu no número 17 da revista Ólisbos un artigo titulado Manuel Antonio e a “suprema lei da estética”, …