“Vidoiro” é a última obra publicada até agora de Neno Escuro, autor tanto da música como das imagens. Nas suas palavras, trata-se de “um projeto de experimentação sonora e visual enraizado na procura de uma linguagem híbrida entre os dois âmbitos, mas que se abre também ao campo literário —especialmente o poético—, e se concretiza na criação de peças visuais, sonoras, concertos performáticos, projeções e visuais ao vivo.”
Na Palavra Comum, sempre aberta aos novos caminhos que aparecem sem cessar, encontramos nesta obra um intenso motivo de diálogo com a poesia, do que entregamos aqui uma primeira parte, através dos textos criados explicitamente para “Vidoiro” por Alfredo Ferreiro, Tati Mancebo, Ramiro Torres e Ramón Neto.
Vai o nosso agradecimento expresso a Neno Escuro por permitir a reprodução desta sua obra aqui e por facilitar estes diálogos que, talvez, nos transportem para um outro lugar já existente desde sempre à nossa volta. E, evidentemente, animamos ao público a conhecer as demais obras deste autor publicadas até agora, tão prezadas para nós!
*
TATI MANCEBO
HISTÓRIA
Atrás cantavam
Atrás sabiam
Atrás dançavam
Atrás queriam
Atrás chegavam
Atrás viviam
Atrás marchavam
Atrás volviam
*
RAMIRO TORRES
VIDOIRO
Para o Rafa, sempre a caminhar.
Ardem os signos na
irrigação do invisível
entre os sons da luz,
transportados para
a absoluta consumação
onde se entranha o saber:
imóveis no obscuro,
abrimos os olhos sob
a espuma do tempo,
embriagada a percepção
com animais dormidos
a arfar desde o fundo,
viageiros na estranheza
do vivo a florir no uno.
Janeiro de 2016.
*
RAMÓN NETO
Vidoiro (negativo)
Canto maior a intensidade luminosa
maior é o escurecemento dos sales de prata.
Inversión tonal. Onde premen
as polpas medran pálpebras.
Enfoque e nervio nunha mesma uva
dilatan o ventre da rocha.
Lágrima. Nada máis que
irritación na córnea a causa do ar frío.
Alguén despeza o seu
escafandro no círculo glaciar.
Descenso en apnea no ollo de boi.
Son as zonas que apenas reflicten a luz
as que se acaban transformando
nas partes claras ou transparentes da emulsión.
*
ALFREDO FERREIRO
Vidoiro
Como o mar e a terra se abraçam
assim no monte a névoa e as pedras.
Ela cavalga sobre o seu lombo,
elas discorrem sob o seu ventre,
ela penetra nas suas fendas,
elas banham-se no seu leite.
É uma pausada procela
que caminha sobre um
assobio que dança,
é a existência no primórdio,
é o que acontece após o fim.
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