Ainda não imagino os leitores de Palavra Comum, mas como suponho que algum há de não ser galego, é bom logo que faça uma aclaração de termos:
Cá, neste Impaís ao norte do Minho, chama-se-lhe “castrapo” à mistura de galego com castelhano, galego na estrutura mas castelhano em muitos termos, principalmente os cultos. Este patois é o resultado de quinhentos anos de falta de escola na língua patrimonial.
Quando já estávamos acostumados a esse produto da diglossia tremens que padece a Galiza, chegou a “normalização” que manejaram o ínclito Filgueira et caterva. Ilusos, muitos pensamos que, tendo o galego perfeitamente codificado (nisso não podemos negar o trabalho dos localistas sem visão), mesmo que se impusesse a grafia demótica, a gente chegaria a limpar a língua de excrecências alheias. Logo que o sistema da Radiotelevisão Galega estivesse em pleno funcionamento, entre o ensino e os média, o galego seria depurado…
Mas ninguém contava com a política perversa do Partido Popular obediente a Madrid. Para essa gente, o galego sempre foi brincadeira má de aturar. De maneira que a maioria dos rapazes galegos terminam o seu bacharelato, saem dos liceus para a universidade, incapacitados para falarem um galego minimamente decente. Só o fazem os pouquíssimos que têm especial vocação e talvez ajuda das escassas famílias nas que há transmissão oral da língua bem falada.
O castrapo segue a ser a fala do povo; mas, com o tempo, apareceu um novo formato dele que poderíamos chamar “neocastrapo”: mistura de língua mal estudada na escola e o liceu com elementos não castelhanos mas madrilenos. Os média espanhóis varreram os média galegos e cá se impôs um horror de fala surgida da capital duma Espanha acromegálica e centralista.
Desde 2004 até 2014 vão dez anos nos que o neocastrapo progrediu de jeito estelar. Nesses dez anos deveria-se ter desenvolvido um processo de consenso na promoção social do idioma secundário no sistema diglóssico galego mas só se conseguiu implantar o neocastrapo com terrível descaro.
Qualquer sujeito ousado lança-se a falar suposto galego com fonética e prosódia imitada dos madrilenos que abrasam os ouvidos desde a rádio e a televisão. Além disso, introduz palavras do calão madrileno como currar (trabalhar), folhar (foder), marrón (originalmente, o empurrão do toiro ao cavalo na toirada), molar (gostar, comprazer), tio (gajo em português), macho (tu, pá em português)… e, por se isso for pouco, ainda aceita formar castelhanas como todavia (ainda), estos (estes), dé (dea em galego), eres (es)… até deformar a estrutura do idioma com vícios “de la Capital” que molestam os castelhano-falantes do mundo. Por exemplo, o “leismo” madrileno: há neocastrapistas que dizem “lhe invitamos” onde um galego diria, como um português, “invitamo-lo”.
Por não seguir com este novo patois, que deveria estudar a inoperante Irreal Academia do Impaís, acrescentemos mais um elemento ao fenómeno neocastrapizante: a hiper-pronominalização dos madrilenos. Eles não só dizem, como os castelhanos normais, “comer-se el pan”. A todo juntam pronomes. Falando da rede universal dizem “bajar-se” e “subir-se” programas de computador.
Não há muito, quando as guerras intestinas entre os académicos estavam no seu momento álgido, escutei um deles acusar o então presidente, o anti-lusista Méndez Ferrín, em perfeito neocastrapo:
“Macho, é que o Ferrín se folhou á Academia”…
Era bom os técnicos da sócio-linguística da Lusofonia virem estudar o caso. Proponho uma interessantíssima tese: O Galego no Século XXI: do castrapo ao neocastrapo.
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