Rastos de rebeldia
A rebeldia aguçou o espírito os sentidos e alargou perspetivas
Enquanto semeava laivos de incongruências fugidias
Mas incapaz de se manter em promissor convento
Deu passos em direção à folia e ao ritual de encantamento
Sobrevive o vivente transformante no rio incerto da aventura
Onde os trejeitos das personagens agitam a bandeira do livre-arbítrio
Qual bacante em transe divinizado desmembrando as normas
Criando palcos de pura libertação abraçando o fogo ceifando formas
Sacerdotisa que provoca os cegos ignorantes os pedintes
Os acumuladores de riqueza no ribombar dos deuses
No quebrar das amarras sem jugos sem julgamentos
Apenas a afirmação da ânsia da vida sem subterfúgios de requintes
Um erguer de cálice à euforia ciclónica
Da turbulência magistral da força dos elementos
Um brinde à saúde plena esquecendo posturas
Amarguras patológicas e composturas
O sorriso e o riso festejam o final da guerrilha
Porque o grito jorra agitando o estandarte das tréguas da paz
Como vencedor medalhado pela natureza verdejante
Enquanto a podridão miserável que acorrenta o espírito
Numa cova escura jaz
Simplicidade
A criatura humana deixa-se encantar pelo colorido da cena
Pelas personagens amorosas da sedução aparentemente plena
E distancia-se do estado de plenitude do Eu
Como união de ambiguidades
Pois somos o todo que arrasta consigo a união dos opostos
Numa erupção de vivências e incandescências
Multiplicidades de sentires e irreverências
Devíamos sentir-nos simples como a água do mar
Lamber as lágrimas salgadas num misto de dor e prazer
De quem sabe que a vida é ilusão aparência de Ser
Porque vibra uma ligação inquebrável entre os humanos
Que acontece em forma de grito de união
Porque a separação só a sente quem não dialoga com o espelho
Quem não se sente genuíno e transparente
Quem não entra em êxtase perante um pôr-do-sol esplendidamente vermelho!
Condutores de informação
A informação abre veredas por entre a selva
Onde as serpentes aguardam a mordidela certeira
Na podridão da carne
Os canais são austeros perigosos e escorregadios
E os veículos descarrilam no percurso
Onde a arquitetura explode em linguagem cósmica
E o meu cérebro faiscando sobre o estado amnésico das palavras
Baralhando sílabas misturando notas musicais
Esperando que o caos se transforme em ordem
Sapateando entusiasmo para que a minha surdez não notem
O carrocel é velho e barulhento
Deslizando nos carris oxidados pela chuva
Onde os corpos carcomidos se revelam
Ansiando o brilho do ouro
Rebentando em campos de exequibilidades
De armazenamento de joias
Tesouros feitos ornamentos onde as mensagens ambíguas
Dão origem ao erguer de braços dos déspotas
E ao levantar e baixar da lâmina afiada do carrasco
E a minha mente criando fogo-de-artifício
Falseando os resultados da experiência
Pintando quadros onde a beleza aparece errática
Como trampolim para o grotesco e medonho
A mensagem atinge o alvo onde o alerta é dado
Mas as aranhas inertes e interesseiras
Apenas tecem a sua teia e permitem
Que a probabilidade dos escravos se transforme
Em espaços de concomitância indecente
E é então que o ditador é permitido e o seu ego lunático
Ergue uma forca poderosa
Onde os egoístas conformados passarão o portal
Renascendo como combativo inovador criativo
Golpeando a flecha no coração da besta
Manipuladora de homens esquartejados na cruz
Finalmente a viabilidade do carrasco
Permaneceu do outro lado na invisibilidade
E à velocidade vertiginosa se fez luz
A força do dilúvio
Abre-se a fenda por onde os elementos cósmicos
Se revolvem misturam deleitam se entrecruzam
Procurando o encaixe perfeito omnipotente eleito
Criando rasgos de lençol campos estratificados
Aguardando a miscelânea o vendaval perfeito
O grito de comando soou por entre os recifes
Ecoa em toda a parte estridente como ser omnipresente
A água borbulha perante as rajadas de eficácia destrutiva
Arrancando o sustento dos homens à terra enfurecida
São prisioneiros do dilúvio infinito e imitando o furor cósmico
Chacinam os irmãos inventando justificações estoqueadas
Pela imbecilidade de uma mente decadente que perde a sintonia
Com o cordão umbilical da ética e a criativa energia
A força do dilúvio enlameia os ossos dos cadáveres à deriva
E deposita-os no fundo do mar do esquecimento ilimitado
O sol encarregar-se-á de aquecer o gérmen
Que emerge os seus caules delicados após a tempestade
À procura de um ancoradouro onde possa repousar
Pois o tempo é uma bolha sempre pronta a rebentar
E as possibilidades do acontecer rejubilam por festejar
Freio animal
Cativa de rituais em demanda irrefletida de gozo
Em descontrolo numa precisão material
Despojo-me das roupagens óbice à intimidade
E danço ao ritmo de momices num trejeito sensual
Aprisionando a tua atenção que me profetiza um travão
Libido que comanda em forma de rasgo mental
Mas desprovido de desejo concentras-te no premente
E eu fantasiadora gerada por imperativo biológico primordial
Apagas o braseiro interior num universo simples de veemência lúbrica
Envolves-me gelidamente escondendo a flama num porte colossal
Leio nos teus olhos a imagem espelhada do desregrado
Ser de outros tempos e outros mundos intacto
Criatura meiga mas sofredora e ser amado
Voluptuosa e descalça volvo as costas ao teu desapego
Permaneces num outro globo oposto do lascivo
Foge dos teus braços o esperado ardor
Desaparece momentaneamente a paixão do teu rosto
Apaga-se então a labareda do meu coração em vulcão de clamor!
E em sublime conexão isenta de qualquer mal
Provindo de outra dimensão e consciente do efémero
Tornas-te anjo platónico meu freio animal!
∗
Ana Maria Oliveira nasceu a 17 de Fevereiro de 1960, em Portugal, no Alto Alentejo no distrito de Portalegre e concelho de Castelo de Vide. Em 1986 finalizou a licenciatura em Filosofia na Faculdade de Ciências sociais e humanas de Lisboa. Licenciatura que lhe permitiu dar aulas de filosofia durante alguns anos. Edita o seu primeiro livro de poesia em 2008 através da Corpos Editora “Grito de liberdade”. Este livro é uma forma de partilhar emoções e vivências, encarando a poesia como uma catarse. Dedica este livro a todas as mulheres, pela luta e determinação com que enfrentam as adversidades de uma sociedade que ainda manipula e escraviza. Faz uma edição de autor “Espírito Guerreiro” o seu segundo livro de poesia, em 2014. Mantem alguns sites onde divulga a sua escrita. Ultimamente mantem-se ligada ao projeto “Filosofia para crianças”. Mantem alguns sites onde divulga a sua escrita:
http://www.assinaturaeletromagnética.blogspot.com
http://www.devirquantico.blogspot.pt/
Fotografia da autora por José Lorvão.