O aforismo, esse estranho híbrido mutante entre poema e reflexão, tem sido um campo onde poucos autores têm explorado até agora. Porém, é um dos múltiplos espaços habitados por Xavier Seoane para nos transmitir parte do seu trabalho criativo: Irispaxaros /Arca cotidiana e o Hai suficiente infinito, feito com Antón Patiño, foram as anteriores incursões do autor corunhês, às que se soma agora A rocha imantada (Aforismos 1984-2009), publicado recentemente por Laiovento.
O livro vem dividido em onze partes, cada uma presidida por formosas ilustrações do próprio autor, seguindo um critério temático para os aforismos recolhidos nelas, desde as homenagens a livros, livreiros e autores preferidos até passeios no mundo com olhos especialmente despertos para a maravilha e um tanto libertinos e irônicos em relação ao que nos rodeia.
Pessoalmente encontrei autênticas alfaias que abrem insinuantes portas secretas, onde se nos concede um lugar inabitual desde o que entrar, com vagar e subtileza, em espaços virados para uma notável sensibilidade. Percebe-se bem neles um ponto de luz intensa que lembra a essencial densidade da criação poética. Deixo aqui estes exemplos, entre muitos outros:
“Quen desprece o silencio xamais terá voz”. Pág. 16.
“Poética: Agardar, na palabra, o momento do abrazo”. Pág. 19.
“A arte planta no aire a raíz no ar para que o imposíbel arraigue”. Pág. 20.
“Conquista da inmediatez: o neno abre os ollos, e ve”. Pág. 24.
“Mercadeiros. Mercadeiros por todas partes. E nós –mercancía utilizábel–, viaxando nos seus fardos”. Pág. 40.
“Mira á dereita. Mira á esquerda. Mira a onde queiras. Pero atravesa a fronteira”. Pág. 53.
“A maior intensidade poética, maior experiencia de inexplicábel eternidade no corazón do tempo”. Pág. 72.
Entrem nesta Rocha Imantada (deve o seu nome a uma citação de Antonin Artaud: “O home caeu da súa rocha imantada”, colocada no pórtico), e deixem-se levar por correntes às que serão convocados trás a sua leitura (sistemática ou pontual, abrindo o livro ao acaso). Com certeza, um diálogo se tende não só entre o autor e o leitor, mas também entre o aforismo e uma realidade que surge através dele, fulgurantemente aberta como uma amêndoa a decifrar-se, fora do tempo, na nossa imaginação surpreendida.
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