Jaime Munguambe nasceu em Maputo, no dia 27 de Outubro de 1991. É membro do Movimento Literário Kuphaluxa. Colabora em antologias, revistas, jornais e blogues de publicação literária a nível nacional e internacional. Em 2009 foi agraciado com o Prémio Recital de Poesia do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. E, em 2015 Prémio Literário do Banco de Moçambique, categoria de poesia.
– Palavra Comum: Que é para ti a literatura?
– Jaime Munguambe: É a arte de evocar a essência da vida através da escrita, de pensar o homem enquanto sujeito misterioso.
Há anos que os homens procuram satisfazer a curiosidade às perguntas ligadas à sua existência. O homem acorda no mundo e observa tudo à volta, anseia saber o porquê de estar vivo. Não há respostas sólidas de quem ele é, o que o agrada é o belo, o prazer que sente ao sonhar, o prazer que sente ao ver as cores que estimulam a felicidade, o espetáculo da vida; o Sol, as flores, as aves, as pedras, a música, os sorrisos… Este é o lado A da vida como podemos observar. No lado B mora a injustiça, este inferno que também acompanha o percurso da nossa Humanidade desde os primórdios…
A literatura, sobretudo, a poesia, tem a missão despropositada de trazer esses dois lados da vida aos olhos nus do mundo, os poetas descrevem a vida e expõem as vivências, quer interiores quer exteriores do homem.
– Palavra Comum: Como entendes -e praticas, no teu caso- o processo de criação literária?
– Jaime Munguambe: Diferente dos textos científicos, no processo de criação literária a escrita não é programada, não há agendas, as ideias surgem no momento inesperado, no meu caso, a imaginação é visitada por imagens, logo, tenho de escrever, traduzir tais imagens por meio de palavras, há vezes em que essas imagens ficam muito tempo amontoadas na imaginação, fermentam por lá, não me incomodo com isso, pelo contrário, sei que posso tirá-las para fora quando quiser. A poesia é uma visitação, é um pássaro que de repente vem pousar no ramo da nossa imaginação, por isso escreveu a poetisa moçambicana Noémia de Sousa num dos seus emblemáticos poemas “Poesia: porque vieste hoje, precisamente hoje, que não te posso receber?”, penso que é assim que tudo acontece…
– Palavra Comum: Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre as artes entre si (poesia, plástica, fotografia, etc.)? Como é a tua experiência nestas (inter)relações?
– Jaime Munguambe: Percebo que todas as artes têm um ponto de encontro, mesmo que subjectivas têm também uma finalidade; refletir a vida. Só há arte se houver vida e vice-versa…
Tive a experiência de trabalhar com um artista plástico de nacionalidade portuguesa, Carlos Saramago. É um surrealista, guardo até aos dias de hoje uma admiração infinita por ele, tem um trabalho que necessita de atenção, quando vi pela primeira vez uma pintura da sua criação, passei a acompanhar tudo que expunha na sua janela virtual, ficámos amigos, criámos um projecto com o nome “A Hermenêutica do Silêncio”. Eu escrevia poemas tendo como base os quadros dele, a partir disso percebi a relação das artes. Ambos descrevíamos o vivido, seja no nosso interior ou no nosso exterior.
Para além dessa experiência com as artes plásticas, tenho trabalhado com um jovem músico moçambicano, Luís Crisóstomo: ele leu os meus poemas e julgou que podia cantá-los em acústico, recebi a ideia com receio, mas depois de ouvir os poemas cantados fiquei perplexo, ele tem uma voz de rio em viagem, a experiência está a ser boa…
– Palavra Comum: Quais são os teus referentes criativos (num sentido amplo)?
– Jaime Munguambe: Desconfio de tudo que leio, julgo que sou uma antena pronta a captar o que me rodeia através dos sentidos. Cada escritor que leio faz em mim uma tempestade. Por exemplo, agora estou a ler dois livros: “Ninguém escreve ao Coronel” de García Márquez e “O Amor Louco” de André Breton. Confesso que nos últimos dias tenho traído, por razões não claras, García Márquez por André Breton (risos), penso que haverá um motivo mais claro quando terminar as duas leituras.
– Palavra Comum: Que conhecimento tens da Galiza?
– Jaime Munguambe: Há um escritor nascido na Galiza, Álvaro Cunqueiro, autor de “O Ano do Cometa”, traduzido por António Paço, que está na lista do meu cardápio de leituras. Encontrei-o na banca de um amigo alfarrabista, como bem se disse “é um livro de amores e de guerras sonhadas, de incidentes e de conspirações, no qual se misturam todas as idades”. Através deste autor percebo a descrição dos acontecimentos históricos de Galiza e faço uma análise multifacetada do mesmo espaço…
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras com o público, etc.) estimas interessantes para a criação artística e cultural hoje?
– Jaime Munguambe: Acabo de publicar o meu primeiro livro de poesia, intitulado “As Idades do Vento”. Quanto à estética, a crítica até agora apresenta múltiplas vertentes, acho isso interessante, numa paisagem onde só um pássaro voa, aparecem certos sábios e veem as penas dele a cair, enquanto os outros veem a sombra do mesmo pássaro em movimento, logo percebo a importância de outras leituras. A poesia, enquanto criação artística, precisa de atenção, de vigilância, pois ela é o centro de vibração de todas as artes. No fundo, não existe um laboratório para o estabelecimento de fórmulas para a criatividade…
– Palavra Comum: Fala-nos, mais em concreto, de As Idades do Vento…
– Jaime Munguambe: No princípio não fazia ideia que estava a escrever um livro, o tempo surpreendeu-me, e aqui está a obra “As Idades do Vento”. Nela há uma vária constelação de equivalentes possíveis, nela se discute a condição humana nas suas várias vertentes. Podemos ver a Idade como tempo e o Vento como Vida, logo percebemos que o livro é uma série de perguntas, assim como cada um de nós se interroga, porque nasci aqui exactamente neste século, será o destino a pura ilusão de viver?
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