Ilustração de Leandro Lamas
❧
As costas de Portugal e da Galiza vêm de ser de novo poluídas até o paroxismo. O artista Leandro Lamas fez uma obra que fala por si só, e o escritor Alfredo J. Ferreiro propõe uma reflexão que vai além da urgente inserção de políticas ecologistas eficazes
«Nunca mais» é uma asseveração difícil de assumir, até porque não temos a certeza de não voltar a cairmos no mesmo erro. Ora, qual o sentido positivo deste desejo e até deste compromisso? Calculo que o autor não está a falar de prometer sermos perfeitos desde já, mas de não esquecer aquilo que sempre deve estar presente na nossa vida: o humanismo que nos compete, e que atinge, para além do respeito ao mais íntimo, a tudo o que nos rodeia: as pessoas, os animais, os vegetais e mesmo os minerais que devem estar na harmonia que lhes permite ser o que são. Porque o ser humano não é tal sem a interação com o resto dos seres, animados e inanimados, do mundo.
Há pouco cheguei a saber que, para além de o nosso corpo estar conformado polas duas células herdadas e muitas outras produzidas por nós até a conformação do corpo que nos identifica, integram o nosso corpo em mais do cinquenta por cento bactérias e seres similares. Então somos quantitativamente mais um conjunto de micro-organismos que de células propriamente humanas? É fascinante descobrir que o nosso corpo é uma ilha cheia de vidas em interação, e que é a energia desse complexo biológico que realmente nos constitui, nos alimenta, nos acompanha, o que nos faz feliz e nos tira o ânimo quando quando o caos nos invade.
Mas a ilha que somos não está só, vivemos num imenso arquipélago em que por sua vez todas as ilhas, de diversa índole, também interatuam e são dependentes entre elas. A humanidade que nos compete, portanto, não se pode entender como o respeito polo de dentro do território, senão esse vasto território que nunca acaba, o território universal do que viemos e ao que sempre haveremos de voltar, sem remédio.
«Nunca mais», portanto, revela-se como o compromisso por respeitar todo o tipo de vida, e isto é o mais inteligente, humano e deste modo necessário que devemos sempre fazer. Se o mar está sujo, a terra ficará doente. Porque o mar e a terra não são excludentes mas complementários. Só temos que observar o bruar sereno duma das nossas praias para descobrir como se beijam sem cessar, e quanta vida surge em consequência do amor que ambos os dous se professam.
Agora vem a parte social, e até política se quereis: não cabe esquecer a importância do natural que nos rodeia se queremos manter viva a nossa natureza humana. E os políticos que estão para nos representar não devem esquecer este humanismo básico, porque o mandato que o povo lhe concede implica antes do mais este compromisso essencial. Têm o seu posto para gerir os recursos de todas as pessoas, e esquecer o fundamental não é de recibo na sua responsabilidade.
«Nunca mais» já foi dito há anos perante uma das maiores catástrofes ecológicas do século, e agora semelha que estamos a ver de novo uma minimização irresponsável das consequências da movimentação comercial no meio natural. Por isso o «Nunca mais» de novo acontece, para a nossa desventura, e todas somos responsáveis, tanto por gerir mal os recursos como por dar o mando a políticos incompetentes.
Ninguém está livre de errar, mas bater na mesma pedra por não ter aprendido nada do acidente anterior tem cada vez menos desculpa. E os erros à mãe terra e ao pai mar têm consequências por séculos e mais séculos na vida de filhos, netos, bisnetos, e bisnetos dos bisnetos… Assim, «Nunca mais» é um grito desesperado, um conjuro contra o mal e contra a indolência mais perigosa, mas também é a bandeira dum humanismo fulcral.
Alfredo J. Ferreiro Salgueiro
❧
Cf. Notícias sobre o desastre ecológico dos pellets
You might also like
More from Alfredo J. Ferreiro Salgueiro
Tocar na palavra de forma viva | Sobre «Câmara de ar», de Hirondina Joshua
Câmara de ar (douda correria, 2023) é o último livro de Hirondina Joshua. Da Palavra Comum tivemos a honra de …
Tono Galán expus na Corunha | Alfredo J. Ferreiro
Tono Galán (A Corunha, 1967) é um artista corunhês muito polifacético que, embora se esteja agora a dedicar fundamentalmente à …