Não pensemos que a Galiza é um impaís único para a experimentação sócio-linguística. Desde há décadas interessa-me o caso do Paraguai, quiçá a partir da experiência de ter escutado uma certa Rádio Itapiru que emitia as notícias em castelhano, as canções em guarani e os anúncios comerciais em português.
Era uma rádio de fronteira, na confluência do Paraguai com a Argentina e o Brasil. Ora, não acreditaria eu que, passados os anos, se chegasse no Paraguai a uma situação que faz convidar os cientistas ao trabalho de campo. Hoje há uma faixa de território paraguaio onde já “tudo” acontece em português com o guarani lá ao fundo. Veja-se a fronteira paraguaio-brasileira, entre-se uns cem quilómetros no Paraguai e logo se terá á vista o que muita gente está a chamar o Brasilguai.
O que surpreende dessa zona do Paraguai é o que poderíamos chamar “cessão de soberania linguística”. Não se pense que o português se impôs “na rua” pela natural potência do maior estado da América do Sul, pela mídia brasileira ou pela forte presença dos empresários da outra banda da fronteira a investirem aquém dela. O português impôs-se na escola. Sim, no Brasilguai, que deveria seguir instruções de Assunção, os meninos são escolarizados numa língua que não é nenhuma das tradicionalmente oficiais da República Paraguaia, castelhano e guarani.
Até onde na geografia chega o fenómeno? O viageiro, o turista, o homem de negócios sente curiosidade mas não tem tempo para investigá-lo. Seria coisa de especialistas, de académicos…
E antes de rematarmos está crónica, mais uma observação: o italiano é língua perdida na Argentina (com talvez uma metade da população proveniente da Península Itálica) enquanto foi conservada em certos estados prósperos do Sul do Brasil, onde se transmite de pais a filhos. Estas famílias têm negócios agro-pecuários no Brasilguai vizinho e lá mostram um comportamento colonizador: não tentam apreender nem guarani nem castelhano. Falam para o povo em português, mas reservam o italiano para a conversa entre os que são “gente como um” (expressão classista bem argentina).
Enfim, os sócio-linguistas que queiram experimentar venham para o Brasilguai… que inclui a beleza –única no Globo– das Cataratas do Iguaçu. A viagem à selva missioneira paga a bem a pena. Nada como misturar trabalho com a contemplação da natureza pródiga.
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