«Pois bem, que assim seja! Que minha guerra contra o homem se eternize, já que cada um de nós reconhece no outro sua própria degradação… já que somos ambos inimigos mortais. Quer deva eu conseguir uma vitória desastrosa ou sucumbir, o combate será belo; eu, sozinho contra a humanidade».
Lautréamont, Cantos de Maldoror
Todos o poemas do livro de Luís Serguilha semelham um único objeto mutante, como que evidenciando as inúmeras perceções que experimentamos do mundo. Há nesta obra um combate contra a moral poética, um desacato ao sentido institucional do verso, e não só da perspetiva formal – por escrever poesia em prosa – , mas também quanto ao sentido percebido, que se torna um autêntico e constante torvelinho semântico. E há até um combate frontal contra a Academia e seus carros de combate, quer dizer, os géneros literários. Devido a isto, já nos atrevemos a vaticinar que o sucesso crítico não vai vir dos âmbitos mais institucionais, ou o que é o mesmo, das retículas clientelares do sistema literário.
Porque Plantar rosas na barbárie implica uma reflexão profunda sobre a nossa perceção do mundo e, neste quadro, mediante a amostra de tantas relações em convívio louco e frutuoso, defende a impossibilidade poética de aquela perspetiva eminentemente racional a que o Sistema pretende vincular-nos. Nada há no mundo de verdadeiramente interessante que se possa perceber racionalmente. Ao contrário, todo o que nos interessa realmente é misterioso, paradoxal, proibido pela moral ou a lei, impronunciável, inabarcável, imensurável… mas profunda e definitivamente desejável.
O desejo e sua fome permanentemente insatisfeita é um dos alicerces desta escrita em que tudo pretende abarcar-se, poetizar-se, mas nunca caçar-se, possuir-se ou controlar-se. O discurso literário surge como nascido de si próprio, e em plena liberdade desenvolve-se mediante um efeito de autogeração mágica. Nada parecido como as fórmulas catalogadoras do Poder. Nada, portanto, desejável para ele. Tudo, como acontece na vida, sempre a bordo da falésia.
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