«Na aldeia-globo, com fios e sem fios, sabemos hoje por vezes mais sobre os antípodas que sobre a terra ao pé de porta – e o mesmo se pode passar com a poesia e com as línguas de que a traduzimos. Desta reflexão à vontade de seguir mais de perto a poesia escrita em galego vai um pequeno passo, que adiante tentaremos explicar. E começando (recomeçando) por algum nome, que outro mais indicado que o de Rosalía de Castro? […]».
Assim declara no sumário a revista DiVersos – Poesia e tradução, nº 21, que há pouco tive prazer de receber e que hoje devemos ressaltar no contexto das celebrações em honra de Rosalia de Castro. Em 21 números tem publicado poemas em português e muitos traduzidos do africânder, alemão, castelhano, catalão, chinês, finlandês, francês, gregos antigo e moderno, inglês, italiano, neerlandês, norueguês, ocitano, polaco, russo e sueco, mas apenas tinham adaptado poesia galega de Álvaro Cunqueiro e Gonzalo Navaza. E isso é algo que gostavam de mudar, por isso acompanham tal desejo de um convite explícito aos talentos poéticos da Galiza, segundo explicita um limiar intitulado Línguas próximas, línguas afastadas − Presença do galego na DiVersos:
[…] Observem-se os 20 números anteriormente publicados da DiVersos. Neles o castelhano foi talvez a língua mais traduzida − cerca de 40 poetas. Ainda mais próxima (linguisticamente) do que nós que o francês, mas nalgumas épocas culturalmente menos, como aconteceu nos séculos XIX e XX. Mas aparentemente bem mais afastada que o galego − de que apenas dois autores aqui foram “traduzidos” (ou será melhor dizer “vertidos”?) ao longo desses mesmos 20 números.
E no entanto que língua mais próxima da nossa pode haver que o galego? A tal ponto que português e galego têm uma história comum indiscernível até ao século XV e que ainda hoje são considerados por muitos, inclusive galegos, como uma só língua […].
A partir daqui oferecem-se umas interessantes disquisições sobre as dificuldades de mudar para português o galego que, partindo das experiências concretas destes fieis amantes e tradutores de poesia (Jorge Vilhena Mesquita e José Carlos Marques), bem deviam ser contrastadas com as paralelas de galegos se exprimindo em (seu) português, para podermos juntos discriminar o próprio e o partilhado assim como para liberar-nos da sombra permanente de uma espanholice que a galegos empece e a portugueses com demasiada frequência cega a respeito da cultura galega.
Mas a vontade fraternal da DiVersos não oferece dúvida, e isso é um chamado que não podemos deixar de atender:
[…] Esta diferença de 40 poetas castelhanos para 2 galegos aqui “vertidos”, no entanto, faz pensar.
É bem verdade que, muitas vezes e sob muitos aspetos, o que é próximo se pode tornar o mais ignorado. Daí que tenhamos optado por, a partir de agora, introduzir um elemento voluntarista que chame às nossas páginas mais autores galegos do que aqueles que aqui chegariam através da metodologia espontânea (passe a contradição nos termos) que tem sido a nossa. E assim nos torne mais familiares de uma poesia cuja vitalidade e profundidade adquire imediato relevo para quem dela se aproxime ou reaproxime […].
Celebramos, portanto, mais um caminho para explorar a certa raiz comum galego-portuguesa, com o intuito de que uma galeguidade com futuro e uma portugalidade sem renúncias históricas possam chegar a ser aquecidas pelo lume ancestral da poesia.
Nota: Para encomendas ou propostas de publicação escrever para contacto@sempreempe.pt
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