NOTA: desde a Palavra Comum agradecemos ao seu autor, Artur Alonso Novelhe, este texto arredor do seu novo livro, Um Longo Acordar, acompanhado por uma entrevista com ele:
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“Oculto numa bolota, existe um carvalho com suas bolotas e, oculto em cada uma destas, existe um carvalho com as suas bolotas” (Mathers MacGregor)
Este livro é o fruto de vários encontros, diálogos (entre varias pessoas) e leituras (pessoais), que nos foram levando à compreensão de que é preciso mudar nossa consciência (individual e coletiva) atual de concorrência, luta pela sobrevivência, afã de domínio e controle, em face de uma nova consciência integradora, aberta ao encontro com os outros, pessoas que nos rodeiam e povos e culturas de toda a terra que nos complementam e enriquecem… Abrindo um novo caminho para uma nova e esperançada unidade e fraternidade.
Escrito como um ensaio novelado, onde diversas personagens vão verbalizando sua visão particular da realidade; Um Longo Acordar é uma tentativa de abrir janelas, na Galiza, às novas vanguardas que estão trabalhando por mudar a espiral de destruição a que está submetido nosso Planeta.
Como dizia Sócrates, a Ignorância é a Raiz de Todos os Males.
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ENTREVISTA
– Palavra Comum: Que é para ti a literatura?
– Artur Alonso Novelhe: Na verdade nunca me tinha feito esta pergunta. Sempre usei a literatura como um canal, um canal que servia para comunicar emoções, pensamentos… Não meu pensamento, como diz meu bom amigo Paco: “Os pensamentos estão com o ser humano, mas não são o ser humano. De fato muitas vezes tratamos de pará-los. São a ponta do icebergue”… Assim que de alguma forma utilizava essa ponte para fazer passar por ela pensamentos, ideias, sentimentos, emoções, que estão vibrar ao nosso redor e, de algum, querem materializar-se… A literatura permitia dar-lhes um suporte… No entanto, agora que me fazes esta pergunta e aproveitando o imediato da rede global, vou ao dicionário eletrónico Estraviz e leio, Literatura: “(1) Arte de compor ou escrever obras literárias. (2) Conjunto das produções literárias de uma língua, de um país ou de uma época: a literatura galega; a literatura dos séculos escuros.”(…) Assim que de algum modo, segundo estas aceções, a literatura tem a ver com ajudar a compor esse conjunto de património imemorial da escrita dum povo, em sua língua, tomando como matéria prima a raiz, a essência desse país. E desde logo, agora compreendo que esta ponte através da qual se expressam estes pensamentos, emoções… também é a ponte que chegou a nós trabalhada, século a século, por todos aqueles e aquelas que pisaram com anterioridade este país, e isso enche-me duma responsabilidade que nunca tive… E de algum modo temos que soltar, para que ela não nos oprima e impeça fluir a livre palavra e, por outro lado, temos que agarrar para impedir que a obra esqueça o graal da sua eterna juventude: a essência peculiar dum povo, que vai permeando (gota a gota) de geração em geração no perfume intenso das palavras, que cantam seus filhos e filhas, e o escritor simplesmente transcreve… Às vezes são de ferro, às vezes de areia, de sol, de vento; de alegria e tristeza. Dependem das eras, os ciclos, os tempos…
– Palavra Comum: Como é, no teu caso, o processo de criação literária?
– Artur Alonso Novelhe: Não seria sincero se não disser que esse conceito de ponte se transforma aqui em aqueduto. As palavras fluem como um rio, no inicio do chamado “processo criativo”, às vezes mesmo é impossível dominar sua força… Antes tinha mais vaidade, e com força racional exercia opressão sobre elas, colocando-as onde eu achava deviam estar acomodadas… Mas chegou um dia, em um determinado livro… Era uma peça de teatro intitulada: “No Meio do Oriente”… Aí a fervença de palavras negou-se a adaptar-se a meus ditados. Era que eu tinha pensando um fim e não fui capaz de finalizar a obra como eu pretendia. Houve uma rebeldia dentro da mente, dentro da voz, dentro das mãos (que literalmente não quiseram seguir escrevendo). Ficou seco o poço da imaginação… Tive de soltar as rédeas e deixar que o final ele mesmo se compusesse. Assim ficou. E foi, para mim, uma grande aprendizagem. Deste jeito compreendi que eu podo assinar por autor da obra, mas ela não é minha. Não é nossa, nem sequer do leitor, é livre para deixar-se interpretar (cada interpretação é, em certo modo, correta) mas ela não é a interpretação, nem também não que a interpreta… Que é a obra então? Isso a ela também não lhe interessa.
– Palavra Comum: Qual consideras que é –ou deveria ser– a relação entre a literatura e outras artes (música, cinema, artes plásticas, etc.)? Que experiências tens, neste sentido?
– Artur Alonso Novelhe: Ernest Göstch, especialista em processos agro-florestais sustentáveis, fala de que o ser humano tem que deixar de ver-se como um ser inteligente superior e, entender que ele é um ser integrado dentro dum sistema natural inteligente. Ele também diz: “As espécies têm função deleitosa, criam o paraíso na Terra em comunicação.” Assim que se tudo está em interação e comunicação permanente, como nós podemos pensar em dividir a arte, que à sua vez está unida a todo o conjunto de vida imaterial que já realizou e ainda está por realizar a humanidade. Onde podemos dizer que num poema começa a voz e remata a música. Onde numa foto começa a visão real e remata a pintura… Acho que a relação tem que ser de observação: ver como se vão fusionando música, poema, músico, poeta, pintor, pintura, fotógrafo, fotografia… e assim pela frente. Depois podemos entender qual ou quais melhor encaixam e, sem perguntar o porquê, podemos dar-nos conta de que eles mesmos se escolheram: o pintor, o poeta, o dançarino, a pintura, o verso, a dança… E a música. Pois todas as artes estão aí, ainda que seja em latência. Quanto às minhas experiências, com o Clube dos poetas vivos, e em vários atos, festivais, nos que tive o prazer de ser convidado, todas elas me levaram a esta observação da que falava. Isso não quer dizer que não se tenha que trabalhar, e mesmo muito ensaiar, para obter um mais polido resultado… Mas também temos a experiência de improvisar e ver como o céu penetra nossas almas unindo numa mesma vibração, as que pareciam desconexas partes.
– Palavra Comum: Que vínculos há, do teu ponto de vista, entre arte(s) e vida(s)?
– Artur Alonso Novelhe: Somos seres criados, vimos da criação universal, e pela mesma potencialidade que nos trouxe a vida temos a potencialidade de criar. Como dizia Agostinho da Silva: “Todos somos poetas à solta, que vimos aqui criar sobre o que já estava criado” (lembro que algo assim ele falava). Daí acreditar todos e todas estamos criando, sonhando, tentando, como dizem os mestres Cabalistas, ir à procura do prazer verdadeiro. O que acontece é que muitas vezes, precisamente por causa de exercer esse livre arbítrio do que fomos dotados (e da inexperiência que habita na ignorância daquilo que não se experimentou), os nossos sonhos se convertem em pesadelos, e aquilo que sonhávamos dar-nos prazer resultou em trazer a dor. Dessa forma compreendemos à sua vez que prazer e dor também caminham unidos: pois a praia onde intensamente amei, agora só me lembra a ausência do seu corpo…
– Palavra Comum: Que projetos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– Artur Alonso Novelhe: O projeto mais importante neste momento para mim é a necessidade de transmitir a paz integral. É mais preciso que nunca que a humanidade se confraternize e isso não será possível sem desenvolver uma paz integral: paz interior (pois não pode haver exterior se nosso interior fica revoltado), paz social e ecológica (porque sem justiça social e justiça ecológica, não pode haver nova alvorada) e paz entre os povos (porque sem a aceitação da unidade na diversidade e sem o respeito ao modo de expressar cada povo a essência comum, segundo sua tradição, não pode haver harmonia). Estamos diante duma grande encruzilhada como humanidade: ou aceitamos o difícil mas necessário processo de transição desde um velho paradigma de guerra – confronto – divisão, em face de um novo paradigma de paz – confraternização – união; ou, pela contra, teremos de aceitar caminhar na procura da autodestruição… Esse projeto é o que estou a desenvolver em todos os meus escritos, em todas as parcerias. Agora mesmo é meu motor vital. A paz é possível e eu acredito que, com muito esforço, mas com fé, coragem, vontade, podemos alcançá-la. Estou convencido, porque nesta hora tão complicada a nível global é preciso convencer todas as pessoas que compartilham nossa vida de que isto é possível. E não podemos convencer aos outros sem antes estarmos convencidos. Assim que meu convencimento não foi fruto da ingenuidade e sim da necessidade. Não podemos ficar de braços cruzados, enquanto uns poucos organizam um cenário de guerra global. Temos que ter esperança, Gandhi dizia: “Quando uma pessoa dá um passo em direção à paz, toda à humanidade dá um passo em direção à paz”. Lembro aquele ditado africano: “Muitas pequenas pessoas, em muitos pequenos lugares, fazendo muitas pequenas cousas, mudarão a face da Terra”.
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