Diz o aclamado poeta,
“Se te queres matar, porque não te queres matar”
Afinal a existência é um local de memórias em canções
E a lealdade desfaz-se num quarto com as luzes apagadas
Engano-me quando canto o chão e os tijolos das casas
-Se te queres matar, porque não te queres matar –
A maçã é uma reaprendizagem de sabores tão antigos
O novelo abraça o gato fosco e brinca em ritmo
As lágrimas sustentam as pedras no solar
Aguardo o sol
Num horizonte
O fogo esconde-se
Fico a boiar no mar
-Se te queres matar, porque não te queres matar-
Afinal a existência é um local de memórias em canções
*
Como na fria madrugada enchemos de champagne a solidão
dos nossos corpos
Contendo a estória do mundo perturbando a fragua
Afunilando abraços em abecedários e frinchas
Rumando para os lugares onde os nomes se iniciam
Como na fria madrugada enchemos de poalha a morte dos inocentes
Aprendizagem de um fluido num corredor de morte
Medidas de horas paradas
Pão e queijo da eternidade
Jogos de areia canções infinitas
Beijos desfilados
Como na fria madrugada enchemos de champagne a solidão
dos nossos corpos
Voltámos ao ventre de todas as idades
Estendemos as mãos para os contornos do vazio
Bebemos as geadas
As folhas inquietas
E já não vivemos
Nem nesta nesga de sol de um imperturbável inverno
Nem na brevidade de uma pedra em concha
Nem no côncavo de despedidas
*
Éramos tristes e não sabíamos
Descubro o pouco provável buraco das flores
As aproximações às garagens
Numa invenção de rostos xácaras
O sopé do medo
Incrustada a besta do como te desejo
Numa fundura de alumínio
Descubro o pouco provável buraco das flores
Zinco pictórico
Éramos tristes e não sabíamos
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Cecília Barreira nasceu em Lisboa e é professora de Cultura Portuguesa na NOVA-FCSH. Também é investigadora integrada no CHAM- Centro de Humanidades. Publica poesia desde 1984. Na Poética Edições editou o mais recente livro, Incêndio, de 2021. Além da poesia, edita ensaio sobre pensamento contemporâneo ou aspetos culturais do século XX. Mais recentemente enveredou pelo caminho da prosa com Sangue Suor Lágrimas na Cordão de Leitura (2021).