[de Supertubos – poemas 2005-2015; Lisboa: Enfermaria 6, 2015]
O amor é português
Depois bate fundo o mar
ali onde as pedras encostam
e há anos sobravam as pedras
pedras redondas ao sol
*
Folga
Ruça a roupa e o pulo não cresce
mas não parece depois baixar
se uma mão suspende o movimento
traça linho cómodo o recorte
Ela apanha do lado regenera
e quando senta quer aliviar
ela para porque já está torta
bola retoma numa estrela igual
Risco esse risco e faço branco
num lugar do rolo e mais branco
porque o descanso é o aquece
fala e só fala decide e sacode
E branco longe uma estrela igual
lá no recosto chegado do calor
e o braço visualiza em acontecimento
o talento do pulo maluca
Dentro duramos mais folgados
e mantemos até certa comodidade
quando apouca a conversa distraímos
a ocorrência feita dicção é selvagem e
Aquela rua lá na rua da guitarra
faz aragem de quando passamos
na maneira um dia de passarmos
pisar é pisar não se vai por fora
Pois o mexer tem essa categoria
é de saltar o rijo bom nas pernas
falamos e tudo com muita força
deve ser do mexer e vai parecer
Uma terra lembrada de nós
mas se alguém afinal avança
o entusiasmo é conservador
parecemos muita gente a falar
*
O mexer
Sacudir é sacudir
lavando
ó tempo as tuas pirâmides
recosto do braço e madeira da castanha
fofa boina está molhada
no apoio da cadeira
Ó tempo as tuas pirâmides
falou assim quando eu lembro
chego à voz dificulto
vou agarrando e enfim
tenho essas impressões
que vai começar a escrever
E tu sabes tu encontras
aguça e é vermelho de lugar
uma barulha comoção que ver de lado é chefe
e acontece em muita coisa
quando começamos a trabalhar
Depois
things as they are continuavas
como escondendo barco de boca
are changed upon the blue guitar
faz Wallace Stevens no teu som
faz esse som meloso da gente
naqueles bocados ficar
O tempo as tuas pirâmides
enche longe como vela latina
engraçamos espessa a companhia
e isto tem força
mas vai reparar mais tarde
e é o balanço o vibrar da corda
a iniciativa no prazer
é o nariz
Artifício o efeito da bucha
nós calando à refeição
que o sossego é inteligente
pensamos nós
que desenvolvemos noutros anos e insistimos
Que repete a camisola
da República da Irlanda
troncos grossos na chuva
um jogo que foi num dia
e fina a movimentação
lateral o rosto que aparece
branquinhas rodelas do mar
engrossa jovem para falar
no planalto sucumbir de discursos
Mas quem era quem ficava?
agora vem batendo com força
um jogo de paus e mais gangas
o sabor marinho dos paus
quando fica a falar comigo
e teu rosto é mais pedra clara
balanço nos números
O divertimento um dia tivemos
e que agora dá para cantar
A família contada
e noite em que já não chove
Dizia tem força
que temos a letra parecida
*
O encosto
Sobramos uns dos outros
e curtidos nos ímpetos
nos recessos e chegando
forçamos as inclusões
Coisas que fiquem lemes
e aproveitem movimento
dedos podem tocar
em quase nada
Mas a técnica melhora
e sei acumular a maneira do gosto
que tinhas feito na boca
parecia até o mar ao fundo destas casas
Mas corpo afinal é o mesmo
e recordo doutro poema
em que noutro poema eu tentava
navios de barro à hora do jantar
*
Muitos a falar
Querer-te no peito
uma constelação de barcos
e resolver depressa isto
falar limpo como o brilho
Torna porém a imagem
o corpo rodando lento no
soco luminoso de praia
este bração nos lumes
Rasgo valente mas extenuado
tu vens correndo e escrevia
deste lado a areia é muita
molhando num toque d’osso
Dás numa luz de corpo
resoluta e audaz que às vezes lembra
o encorpar a
bater de megafones marados
Cumprimento os amigos
gosto deles e antipatizo
colaboro
e revolvo dentro nas bizarrices
Amanhar depressa isto
falar tiro limpo
como brilho
*
Disco 2000
Se da corrida nos sobrarem os anos
e na volta o teu tempo do meu se despeça
teremos para sempre ficado
para sempre dois nomes a gostar juntos
Sabes a temporada tem mudado
do grupo de atletismo a maravilha já passou
mas só aqui eu Setembro começo e no ano confio
é uma força razoável por árvores contada
E era sopro talvez correndo to tenha dito
e agora me animem assim agitadas
as coisas que contigo começava a recordar
para uma fundista caligrafia
*
A pedra da duna
Bateu de torso aquele vento
no regresso salgadão de uns amigos
que barcos novos barcos comidos
nos faz imitar mais formas
Havia aqui cimento disseste
a tinta lascada de outros anos
o faz palavras que não queremos decorar
cimento e que o nome tem cheiros
Depois meteu-se o sono e o vento
dava mais do mar e mais da terra
o que o poema algum dia vai fazer
é chegar o aspecto da gente por aí
*
O ferro na figura
O rei aparece
e a metáfora é dos feiticeiros
essa gravidade por ritmos e flechas
nas grandes manifestações
É uma sobra da figura e na
mais precisa cor a dimensão de terra
a quantidade vai descendo na tradição
quando as flechas começam a cair
Eu não escuto onde tu dizes
eu não tenho formação de ferro
eu não organizo limpo tanto texto
em lance todo de puxar futuro
E se palavra a caçadora e por grossas figuras
vou tornar às tarefas do país
o ambiente nas festas merece
minhas canoas nessas frases tuas
É que nunca houve bem o descanso
e se concede mais luz na espera da sílaba
um material é duro por identificação
arrasta muitos a falar
Só penso nas remadas
nuns sumos para o lanche
que na divisão de movimentos
ninguém venha fechar olho
*
A terra do meu regresso
A terra do meu regresso
fibra fundo esta espécie de retrato
calando rijo na claridade
mas só te vejo quando vou lá ver
Na terra do meu regresso
é aqui quando cá estavas e as pedras mornas
essa forma da estrela morta
menos terra chegando
Pergunto se era ali
merecer a entrega
à volta do uso
e terra mais cheia
*
Onde fingimos dormir como nos campismos
No fim se posso eu digo
tornando partes em casas
onde fingimos dormir
como nos campismos
Como te mexes se não me mexes?
é assim que faço para descansar
e só assim posso depois descansar
Considero outras noites outras férias
junta-se tudo numa melodia e então penso
onde te mexes?
Eu querer só quero uma beca
do teu coração
a mais composta
**
Hugo Milhanas Machado nasceu em Lisboa [1984] e reside na Galiza. Exerceu como docente na Cátedra de Estudos Portugueses – Camões, I.P. da Universidade de Salamanca entre 2006 e 2019 e doutorou-se em Filologia Moderna pela mesma instituição, com a tese Ruy Belo, a ver os livros: ensaios na trajectória de uma obra poética [2015]. Dirigiu e coordenou o LAPELIPOSA – Laboratório Performativo de Língua Portuguesa de Salamanca, o TENSA – Teatro Naval de Salamanca, colectivo de pesquisa de artes de palco, e o programa semanal “Historias de la Música Portuguesa” na Radio USAL [2007-2019]. Desenvolve trabalhos em áreas como os estudos marítimos, a etnografia literária e musical portuguesa, a história velocipédica, os estudos radiofónicos, o teatro experimental e a música electrónica. Integra, com Julia García-Arévalo Alonso, o projecto multidisciplinar GLOSALENTA.
Obra literária:
Poema em forma de nuvem – Gama, Torres Novas, 2005
Masquerade – Sombra do Amor, Lisboa, 2006
Clave do mundo – Sombra do Amor, Lisboa, 2007
Entre o malandro e o trágico – Sombra do Amor, Lisboa, 2009
As junções – Ed. Artefacto, Lisboa, 2010
Uma pedra parecida – Do lado esquerdo, Coimbra, 2013
Onde fingimos dormir como nos campismos – Enfermaria 6, Lisboa, 2014
Supertubos – Enfermaria 6, Lisboa, 2015
Salas bajas – Enfermaria 6, Lisboa, 2017
Um longo tempo nos pulos do mar – Douda Correria, Lisboa, 2018
Curadoria de Tiago Alves Costa.
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