Caderno Galego [06]:
Dezembro
Nem deste por isso, que a malta continua à janela e vai contando umas coisas engraçadas para aligeirar as travessias e fingir certas melancolias possíveis, mas Dezembro trouxe aquele mexer antigo que tu reencontras no balanço de umas quantas canções noutro Dezembro escolhidas, tão batidas já no correr dos anos uns sobre os outros levados e os mares e versos também levados, rima antiga, coração do noroeste nessa toada galega, arte de longe nesse mar levado, e veloz e dura e sacudida lá vai a paisagem que desse Dezembro então havia, as tábuas de certo cancioneiro amanhado nos afectos e episódios e lances de coragem e divertimentos que a gente ainda assim retém connosco, madeiras íntimas quase diluídas na recordação mais ou menos pequenina que ainda seguramos, um país que num certo momento houve e depois mudou nesse país que cá dentro outra linguagem e distintos fraseados já pedia, e a língua à procura dessas explicações, a língua à procura dessas imagens tão breves e contadas, a língua à procura e as cantigas também à procura desse valor, desse gostinho que lá em casa havia com os filmes do Natal, e os filmes que do Natal ficaram para, quem sabe, em mais uma volta das cantigas, noutros anos lembrar os tambores e açúcares e entusiasmos que em Dezembro a gente tinha, esse Dezembro que também rimava diferente.
**
Hugo Milhanas Machado nasceu em Lisboa [1984] e reside na Galiza. Encenador do grupo de teatro amador do Centro Cultural Português do Camões, I.P. em Vigo, Eu.Experimento. Exerceu como docente na Cátedra de Estudos Portugueses – Camões, I.P. da Universidade de Salamanca entre 2006 e 2019 e doutorou-se em Filologia Moderna pela mesma instituição, com a tese Ruy Belo, a ver os livros: ensaios na trajectória de uma obra poética [2015]. Obra literária: Poema em forma de nuvem [Gama, 2005], Masquerade [Sombra do Amor, 2006], Clave do mundo [Sombra do Amor, 2007], Entre o malandro e o trágico [Sombra do Amor, 2009], As junções [Artefacto, 2010], Uma pedra parecida [Do Lado Esquerdo, 2013], Onde fingimos dormir como nos campismos [Enfermaria 6, 2014], Supertubos | poemas 2005-2015 [Enfermaria 6, 2015], Um longo tempo nos pulos do mar [Douda Correria, 2018], Estrela tambor [Editora Labirinto, 2020].
Fotografia por Julia García-Arévalo Alonso.
You might also like
More from Fotografia
Paz Errázuriz, o reverso da realidade chilena | Lito Caramés
A fotógrafa Paz Errázuriz retratou as faces antiestéticas, incómodas da ditadura de Pinochet. E segue na mesma liña.
“Veneradas e Temidas” ~ O poder feminino entre dualidades | Lito Caramés
Exposición Venerades i Temudes. El poder femení en l’art i les creences. Caixaforum. Divinas dualidades.