Steven Seidenberg é escritor e fotógrafo. É autor de Anon (Omnidawn, primavera de 2022) Plain Sight (Roof Books, 2020), Situ (Black Sun Lit, 2018), Null Set (Spooky Actions, 2015), Itch (RAW ArT Press, 2014) e de numerosas fanzines de poesia e aforismo. Expôs o seu trabalho visual no Japão, Itália, Alemanha, México e Estados Unidos. De 2012 a 2017 coeditou o jornal de poesia pallaksch.pallaksch. Natural de São Francisco, Seidenberg viaja amplamente para dar palestras e leituras, com foco no seu próprio trabalho como escritor e fotógrafo, e em colaboração com antropólogos, filósofos e artistas de todo o mundo. A sua formação acadêmica é em filosofia, possuindo um doutoramento na mesma área, escrevendo sobre Hegel, mas com especialização em fenomenologia husserliana e pós-modernidade continental.
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I
É doloroso perceber que as superfícies se corroem, que as camas húmidas se moldam enquanto se dorme, que nada se tem, nada nem ninguém, não nos lembramos de ninguém – que ninguém se lembra de nada ou de ninguém além do alcance da circunscrição do emparedado. Mas não te preocupes; não há necessidade de procurar no mundo um breve momento de libertação da regra da perda. Não te preocupes; tal angústia não expiará a servidão da decadência – que é sua própria recompensa…
Às vezes, sinto como se tivesse excedido esse domínio de exigência, essas vísceras de fendas sem lacunas, mas o meio pelo qual essa catarata de semblantes desperta a faringe que engole da costumeira algazarra de credos endossados mas dificilmente seguidos não é aquele que, de outra forma, passa ao longo de cada dia como algum pressentimento de resultados em que teria pensado – uma progressão ou declínio de qualquer tipo de medida.
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It is painful to realize that surfaces corrode, that moist beds molder while one sleeps, that one has nothing, nothing and no one, remembers no one—that no one remembers anything or anyone beyond the circumscription of one’s cobbled reach. But don’t fret; no need to search the world over for one brief moment of deliverance from the rule of loss. Don’t fret; such anguish will not expiate one’s servitude to decadence—which is its own reward…
Sometimes I feel as if I have exceeded this dominion of exigency, this gapeless viscera of hollows, but the means by which that cataract of semblances awakes the gulping pharynx from the customary din of creeds endorsed but hardly followed is not what one who otherwise takes passage through each day as some presentiment of outcomes would have thought it—a progression or decline of any measured sort at all
II
As paredes planeiam novamente a fuga; esta é talvez a última chance de alcançar um final comum, de preferir o colapso. É cansativo, apenas nos encontrarmos na encruzilhada. Gostaria de tocar os lábios, sentir os cabelos da nuca arrepiados. Gostaría de sofrer novamente, de não ser mais confundido com os restos de uma onda repentina, de um mundo que desabou …
Tenta resistir a estímulos, afectar o fleumático aço onde de outra forma fingirias malícia. Tenta ficar imóvel, para seres cercado pelo entorno manso de olhares lacrimejantes. Faz o que quiseres, cede sob o véu destruído de visões indecisas por algum númen ou a sua caída ninhada, uma onda de motivos nem falados nem elididos, mas … É tudo o que sou, o meu único impulso – uma barcaça naufragada induzida a rolar pela promessa de uma nova chegada, uma vela mais próxima. Não tomo outro tónico e – cercado de insensibilidade – sou atraído a bebericar o fel da ataraxia por minha própria conta. É apenas entre os silenciosos que o mundo soçobra, que a decadência se torna uma virtude; apenas a fala silenciosa escapa de nossa irmandade, a alforria final do nosso objetivo comum…
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Again the walls devise escape; this is perhaps their last chance to achieve a common ending, to prefer collapse. It’s tiresome, only meeting at the crossroads. One would like to touch the lips, to feel the hair stand on the nape. One would like to grieve again, to be no more mistaken for the leavings of a sudden swell, a world caved in…
Attempt to withstand stimuli, affect phlegmatic steel where you would otherwise feign malice. Attempt to stand stock still, to be encompassed by the meek surround of teary glances. Do as you will, give in beneath the clabbered veil of visions undecided by some numen or its fallen brood, a tidal wash of motives neither spoken nor elided, but…It’s all I am, my only drive—a foundered barge induced to rolling over by the promise of a next put in, a nearer sail. I take no other tonic and—surrounded by insentience—am lured to sip the gall of ataraxia by my own accord. It is only among the silent that the world decays, that decay is made a virtue; only the silent speak escape from our sodality, the final manumission from our common goal…
III
Eu tenho uma regra: não ataques. Que de alguma forma alguém me magoe; deixai-os trabalhar sob os meus joelhos com cassetetes, marcar os meus calcanhares e açoitar as minhas costas. Se alguém quiser limpar o mundo das suas convenções – não somá-las – há apenas uma escolha, não levantes a mão, não dês um passo. Que diferença há se o balde está cheio de betume ou de seiva de açúcar. Poderia ter servido tão bem como escarradeira …
A carnificina de dogmas – um estado de irrealidade, de não-sensação. É preciso ultrapassar os limites do arquétipo ou do paradigma, o baluarte da exigência. O costume é para todos, mas a lei é para todos os outros…
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I have this one rule: do not attack. Let anyone harm me in any way; let them work my knees with bludgeons, brand my heels and scourge my back. If one wants to clear the world of its conventions—not add them up—there’s but one choice, don’t raise a hand, don’t take a step. What difference if the bucket’s filled with bitumen or sugar sap. Could have served as well as a spittoon…
The carnage of dogmas—a state of unreality, of non-sensation. One must exceed the boundaries of archetype or paradigm, the bulwark of exigency. Custom is for everyone, but the law is for everyone else…
IV
Estou a tentar ser culpado – de tal ódio que nenhum erro é possível. Por que deveria evitar a malícia de algum golpe ardente, de algum marcial cambalear? Não é o mesmo tipo que destila o meu privilégio cauteloso? O mesmo brilho que revigora a minha língua até à aquela velha rima? Portanto nós modelamos todos os nossos contentamentos, enquanto crianças famintas brincam aos ricos…
Se o nosso conhecimento é impugnado pelas nossas tentativas de profundidade – a nossa obrigação de sondar as profundezas ocultas – então é melhor deixarmos esse comércio à superfície, afundar o opróbrio da ausência, recusando-se a abstrair da soma total de distinções percetíveis como um meio para o discernimento da verdade; ficando na entrada do mundo além da aparência, mas recusando-se a observar, a ver passado…
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I am trying to be guilty—of such a hate that no mistake is possible. Why should I avoid the malice of some ardent thrust, some martial stagger? Is it not the same sort that distils my chary privilege? The same gloss that invigorates my tongue to such stale rime? So we model all of our contentments, as starving children play at being rich…
If our knowledge is impugned by our attempts at profundity—our charge to plumb the hidden depths—then one is better left to ply such trade upon the surface, to scuttle the opprobrium of absence by refusing to abstract from the sum total of perceivable distinctions as a means to the discernment of the truth; by standing at the entrance to the world beyond appearance but refusing to take notice, to see past…
Estes 4 poemas fazem para do livro “Plain Sight” (Roof Books, Nova York).
Tradução do inglês por Tiago Alves Costa.
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