resista. os papéis estão cheios,
não há quadros na sala, o quarto
é vazio e cansaço, mas existem
os maus poemas para serem
escritos, basta ouvi-los, escutá-los.
não consegue escrever o poema?
não consegue deixar de escrevê-lo?
ora, pense nos anos que virão, mas não
pense no amanhã, tão próximo e ardente.
onde fechar os olhos, cessar a alma?
foque, com insitência, na rua, nos passos,
no tempo onde come de mãos sujas a vida.
desista da torre, deponha o sonho.
aceite, está mais do que provado,
a vida é impossível ao meio-dia.
por que a fúria e gana de quem quer
vencer a partida a qualquer custo?
pense: é isto ou o silêncio, e você,
meu caro, sabe como o silêncio
infiltra-se, rói e persiste, ruidoso.
não desista das ninharias, do pó
sobre as flores de plástico, do ouro
de plástico e do que nele é possível
de lúdico e frio, pois tudo é isso:
lúdico e frio. que esperar mais?
as palavras estão gastas, gasto
está o mundo por onde anda
debuxando sonhos, tentando
vencer a tristeza por pontos.
mas você sabe, disseram que diríamos
e nada seria dito, eles acertaram Renan.
e enquanto o amor é só um verbete,
os papéis estão cheios. é preciso, pois,
escrever por cima, rasurar, decalcar.
o belo, meu caro, estava nos rios,
nas árvores centenárias, na morte,
quando a morte era só a última página.
resista. e nunca se pergunte, jamais,
o que poderia ser pior que isso.
*
é bom morrer às vezes,
poder alagar e demorar
o tempo e o peso das coisas.
o copo e seu mar, suas vias
menos ou mais secas.
ou o caderno entre livros,
tão extenso que as palavras
uma por uma avançam
em silêncio e descaso
contra o tumulto que foi
a vida. porém, todo sonho,
como toda vida, como toda
morte, tem um fim, um charco
sem lírio, sem mal ou bom cheiro,
apenas um terreno cru, inútil até
para maldizer esta saudade
impressa nas mãos úmidas.
*
escolhas e escombros sempre
são difíceis. é como vigiar
a aurora ou o pôr do sol.
uma distração o sol está a pino,
lápides anunciam a chuva.
um dia já foi sábio distinguir
despedidas, promessas, entre
reveses e suspiros. hoje,
é melhor beber, talvez, dormir.
criar o mais maduro silêncio.
refúgio ou não, sábio ou não,
é sobretudo fácil. de fato,
nestes tempos, isto é mais um vício,
mas deles, prefiro o cômodo.
e no fim, de qualquer modo,
a melhor desculpa para o poema
não será o remorso, quanto mais
o escândalo e outras formas
de pedir ajuda, mas sim, a mentira.
por isso, escreva, de preferência,
com todo o desgosto do mundo
e nenhuma epifania sequer.
*
são os dias em que vergamos a vitória,
o muro carregado de barreiras.
o sopro ou o sangue que nos louva
os olhos e os dentes esfomeados.
também o pão, os figos, os talentos,
o vinho excedemos, na partilha da cor
enclavinhada, pois à noite, a candeia é
sobretudo eterna, sobretudo última.
as ruas, as asas, os últimos olhos.
todos atentos e dispersos como a noite
que nos cede, excede, trecho por trecho
até tocarmos o nome, seu atrito.
a noite das frutas ofuscaria
os semblantes de todas as mãos.
serenos, debuxaríamos um riso
sem qualquer traço de refúgio.
o ocaso moldura a janela
igual a flor aquece o campo
mesmo que ainda assim os dentes
mais lupinos nos formem a face.
*
Repito a mesma coisa várias vezes,
e nela está isto: um poço ondas lagos
gritos: serão reais estes desejos?
Repito a mesma coisa como o
espelho que deu errado. A noite
os corvos levam tesouros,
que nunca mais verei, tudo bem.
Afinal, que outra arte é viável praticar?
Repito a mesma coisa, estou cansado,
mas sei que isto é o pior de mim. Não
deveria ser tanto eu numa noite só.
Repito a mesma coisa várias vezes,
como aquela em que disse medo
e ninguém, por sorte minha, mediu
as minhas palavras. quais palavras
nos importam? digo, e se houver uma
que nos cative, ou nós a ela? importará
então? será então nosso relicário? mas,
quantas vezes é preciso dizer chuva
para tornar-se temporal? eu repito:
Repito a mesma coisa várias vezes,
por isso peço uma dúzia de crisântemos.
*
**
Renan Reis, nasceu em Mongaguá, litoral paulista. Participou do Curso Livre de Preparação de Escritores na Casa das Rosas nos anos de 2016 e 2018. Tem textos publicados nas revistas Mallarmagens, Literartéria e Algo deu Errado. Participou das antologias Curva de Rio e Carne de Carnaval. Balda, seu primeiro livro será publicado em 2019.
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