MUNDO EXULTANTE
Para Nando e Beatriz
No centro da matéria
arde a terra equatorial
onde o infinito cresce
e nos arrasta ao fogo
mais puro do silêncio:
amamo-nos na vertigem
da madeira grávida de sonho,
arrasa-nos a pureza deste
assombro expandido até
o meio-dia do conhecimento,
com o sangue branquíssimo
do outro lado da vida a se
derramar sobre o nosso ser.
*
TROPICAL
Para Gonçalo e Maria
Abraçamos a incandescência
de todas as formas transidas
na música invisível do uno,
lembramos o início do mundo
e a irrigação do medo nos olhos,
o espelho transparente extraviado
entre a musculatura da alma e
o seu brilho oculto nos muros,
enquanto a realidade desce até
a garganta do oceano e se dessangra
como luz líquida entre as mãos:
a lava mana desde as vértebras
até a pele abraçada dos corpos
onde dança um fulgor reabitado,
a terra convulsa que nos inebria.
*
TUNDRA
Para Carlos
Caminhamos através
Da língua enchida
De sangue branco,
Abatendo a noite
Com o nosso corpo
Mergulhado nas
Vísceras do poema:
Transportamo-nos
Ao exílio das formas,
Ilimitável o uivo
Que abre a carne
E inaugura a escrita,
Abandonado o saber
Ao passo iniciático
Do amor incandescente.
*
O FILÓSOFO COXO
Para Eduard e Alicia
O filósofo andando
sobre a língua ígnea
das casas desnudas,
com a cabeça dançante
no peito obscuro do sol,
cheio de árvores o saber
que se abre aos ouveios
de um cão interior à luz,
habitando esta casa de
palavras em cio e lampos
de um saber incendido.
*
AS LINHAS NÃO EXISTEM
Para Joana Espain Oliveira
As linhas não existem
No assombro do olho
A expandir a realidade
Sob as palavras em fogo.
Uma sombra de animal
Descansa nas pétalas
De um saber originário
Entre os teus lábios:
Recai o corpo dentro do
Invisível que dança e
Desloca consigo a vida,
Esculpida a instigação
Na obscuridade dos sons
Onde reconheces terras
Desaparecidas no interior
Explodido das estrelas
Lançadas ao teu crânio.
Eis a casa desprendida
De todas as percepções,
Extraviada dos mapas até
Ser nascente do poema,
Lugar da alquimia absoluta
Em que nos abraça a noite.
*
SE PEDRA NA BRÉTEMA
Para Ramón
Sombra azul no horizonte
do poema dessangrando-se
nas pedras lácteas lançadas
desde o interior do obscuro:
adentramo-nos na ferida
de frio ígneo abraçando
a linguagem sem mais
sonho que voltarmos às
imediações do incêndio,
exaustos os olhos dos cavalos
afincados na névoa solar
despregada em nós como
o pulsar branco da noite.
*
O OLHO E A FONTE
Para Almudena
Uma lava branca
irrompe na linguagem
desde a fonte ígnea,
abraça-nos ao início
como um olho aberto
no interior das idades,
relâmpago invisível
de um saber estranho
mudando o nosso corpo
em hospedaria do vivo,
munindo o ser com
esta união deslumbrada
no vazio primordial.
*
MINUTOS PARA MEIA NOITE
Para Ramón e Xavier
A realidade ilumina-se
dentro dos nossos olhos,
abre o seu estranho fluxo
entre lâminas de energia
estourando sob o existente:
atravessa a percepção
um quantum a pulsar
com a sua luz embriagada
de partículas fosforecentes,
dança derramada de sóis
a nascer e morrer no interior
desta matéria mutante em
ondas de fulgor líquido,
surpreendendo a meia noite
em que desterramos o tempo
e acolhemos a lava iniciática.
*
**
Ramiro Torres, nascido na Corunha em 1973, leva procurando desde essa data estar aberto à fascinação da realidade, sob as múltiplas formas em que se manifesta, sendo a poesia uma das ferramentas que conhece e experimenta para isso, embora não seja a única, nem sequer a mais importante, no fundo. Publicou Esplendor Arcano em 2012, e participou em diversas obras conjuntas.
Na sua intimidade conta que só acredita numa energia estranha, densa e levíssima à vez, que está presente em todo o que se pode conhecer, mas escapa a qualquer definição última, por fortuna. Algo que acontece e estoura ao tempo, talvez desde sempre e para sempre…
Fotografia do autor por Nacho Baamonde.
Curadoria por Tiago Alves Costa.
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