de mim mesmo viandante
colho as músicas na aragem
que a minha própria alma errante
é uma canção de viagem
Fernando Pessoa
A música de Gonçalo Guerreiro tem tanto de descoberta como de revisitação desse sentimento de busca do indivíduo. Sonoridades que são como gestos de minúcia que cinzelam essa eterna procura de entender a incompletude de sermos: as paixões, o arrebatamento, as emoções e os sentidos que se sucedem como o próprio decorrer do tempo. Porque é na delicadeza, no pormenor, no gesto aventuroso, na alegria e na festa que Gonçalo desvela toda a sua sensibilidade criativa.
As suas letras, a sua voz, a sua guitarra, tanto acústica como eléctrica, são como um estudo sonoro em profundidade de campo que fazem lembrar um laboratório onírico. São ritmos que se ouvem como uma porta escancarada para as vivências no mundo quíças cada vez menos vivido. Gonçalo mexe consoante o vento, deleita os nossos sentidos, leva-nos numa viagem errante pela inocência, apenas pela possibilidade de ainda se estar, com essa infinita agrura da condição humana.
Gonçalo Guerreiro nasceu em Lisboa mas como ele mesmo diz mantém desde sempre uma forte relação com as suas origens algarvias. É músico, actor e director artístico do Elefante Elegante Teatro que fundou no ano 2000 com María Torres na Galiza, onde vive há vários anos. Concluiu o curso de formação de actores na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa e diplomou-se em Teatro de Movimento na École Lassaad em Bruxelas. Trabalhou como músico e actor nas companhias portuguesas A Comuna, A Barraca e Teatro do Montemuro. Estudou música na escola Senófila (Lisboa) e na Sementeira (Cambre).
Nos últimos anos tem apresentado o seu concerto por toda a Galiza fazendo-se acompanhar por um grupo de extraordinários músicos galegos. Tem um disco gravado com composições suas a partir de poemas de Fernando Pessoa. Apresentou-se recentemente ao público português através da sua participação no programa Master Class na Antena 1.
Gonçalo Guerreiro considera que a sua música estabelece um verdadeiro território artístico comum entre duas culturas irmãs, Galiza e Portugal. E talvez seja esse vínculo, esse legado cultural que torna a sua arte mais fértil e viva e a transfigura numa espécie de coreografia área, uma linguagem ao mesmo tempo singular, universal e comum. Na sua instrumentação cuidada, nos seus detalhes, descobre-se um espaço que entretém o ouvido, enquanto discerne tudo o que há por ouvir, convocando os mares, os horizontes, a poesia, as crianças, que hão-de chegar tarde a casa. A música que atravessa dimensões temporais e estéticas, que se abre a portais, que avança por caminhos esconsos e estradas secundárias e tudo o que pretende é não parar, é continuar a sua digressão, de quem brinca ao toca-e-foge.
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