De onde estou
Avisto as margens do rio
Convertido em espelho da fronteira.
A distância imobiliza a paisagem
E as aparentes águas estáticas.
Nada revela os turbilhões e as correntes
E mesmo o Sol suspende-se na foz
Em duplicação plácida, tranquila.
Sem sopro de vento,
As ervas que dão cor ao verde
Quedam-se para que as sombras se fixem
E, acima, o azul limpo.
De onde estou
Ergue-se, imponente, a escultura.
Ínfima, se avistada do rio
Que inexoravelmente arrasta sedimentos
Apenas visíveis na proximidade.
As pequenas casas em ambas as margens
Fervilham de vida oculta,
Satisfações, rotinas e sofrimentos
Que negligenciam nacionalidades.
Tudo é retrato
E, acima, o azul limpo.
De onde estou,
No promontório sobre o rio,
Ergo-me esculturalmente sobre o vasto horizonte
E os meus movimentos conhecem
Amplitudes inconcebíveis.
Apago aldeias com o polegar,
Oculto montanhas com a mão,
Anulo o rio com o antebraço.
Superlativizo-me
E, acima, o azul limpo.
Ao regressar ao sopé,
Onde a vida fervilha,
O que outrora foi fio de espelho
Converter-se-á em majestoso rio
Que requer pontes e barcos para passagem segura
Através da fronteira inventada pelos homens.
As casas e as ruas serão grandes
E existirá ruído e movimento das gentes,
Irmãos e irmáns,
Um só povo que a história separou,
Mas o rio não.
Avistarei então o promontório onde estive
E jamais, em algum momento,
Poderei adivinhar se haverá no alto,
Sob a imponente escultura
Convertida em miniatura,
Alguém invisível e insignificante
Que eclipsa o Sol com um dedo
E que, sem sopro de vento,
Por entre as ervas que dão cor ao verde,
Ouve o próprio respirar
Somente para que possa escrever
Que as palavras são sombras
Que se fixam na aparente placidez
Da folha branca.
O Cervo, porventura,
Terá testemunhado vários homens
Que quiseram avistar o rio como um espelho
Apenas para serenar os próprios turbilhões e correntes.
Eu fui apenas aquele que escreveu isto.
*
Paulo Ricardo Corticeiro de Sousa Moreira, nasceu em Coimbra, a 11 de setembro de 1976. Com três anos de idade emigrou com os seus pais para o Brasil, tendo vivido em Campo Grande e Corumbá, no Estado do Mato Grosso do Sul. Regressou a Portugal em 1990, para a região de Aveiro. É licenciado em Gestão de Marketing pelo IPAM – Instituto Português de Administração de Marketing e pós-graduado em Gestão Bancária e Seguradora pelo ISCAC – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra. Publicou os livros de poesia e prosa poética “SER” (Junho de 2016, com segunda edição em Outubro do mesmo ano) e “AINDA DO SER” (Junho de 2017), ambos pela Seda Publicações. Actualmente, vive e trabalha em Mývatn, na Islândia.”
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