1.
Salésio Massango
É sábado; nada brilha no escuro, palavras
azedas, fogo pálido, a voz do galo redige
o silêncio;
Entorno dentro da boca bagas de uma casta
antiga, na fragrância da língua adorno a alma;
O céu continua nublado, os pássaros
aprisionam o canto no meu telhado, apalpo a
fissura na rolha do paladar;
Estou em Paris, o túnel Almas pesa no
pêndulo das lágrimas, ou o Universo aprendeu
a domar o desencanto; uma dama atirou o
sorriso ao abismo;
Na minha rua o tuc-tuc embateu no muro,
penso em milhares de histórias, uma Mãe
esfria o calo das mãos no rosto da esperança;
Está escuro, acendo uma vela, todo o mistério
nega a nudez da solidão,
minha tarde suspende a aura com o azul riscado
na nuvem;
É sábado!
*
2.
Ao Pedro Pereira Lopes
Estas são as minhas ferramentas: a voz, a
alma, a memória, tédio e silêncio;
Abro uma página sem a luz do mar, creio no
epitáfio da matéria inquieta;
Aqui onde estou acorrento com as mãos vazias
o grito, ascendo nos degraus da
invisibilidade a casa paterna;
A que se deve esta visita? – as palavras, o
assombrar da quietude;
Fértil é o sossego alheio, uivar da madrugada
junto mar, pesco todas lagrimas presas a
margem da língua;
há um monstro dentro da boca, rouba minha
angústia como a fragrância de Deus nos olhos;
prendo minhas ferramentas no abdómen da
noite, enxugo a tormenta da saudade, danço
a memória do futuro.
*
3.
Ao Flávio Chongola
Então! nas garras da Manhiça? – a fertilidade
da matéria, expele a saudade da ausência;
Quem amedronta o demiurgo no centro da floresta?
Escuto o palpitar das palmas entre os arbustos
do silêncio, anda a saque o tesouro;
Fisgo as madrugadas com o filtro no orvalho,
as flores humedecem o cartucho da língua,
não há coração puro no centro da fome;
Chego a vila, uma luz guia a gula da voz,
regresso ao porto no banco do silêncio, um
beco usurpa o troar dos dentes na boca, na
janela o verde perdeu o brilho da manhã.
*
**
M.P. Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) Jovens e Amigos da Cultura entre 2003-2004. Em 2004 é convidado para fazer parte do grupo Arrabenta Xithokozelo onde animam as noites de poesia e música no Modaskavulu do Teatro Avenida. Tem textos publicados na colectânea Arqueologia da Palavra, e em revistas electrónicas. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária com o título Ensaios Poéticos pela Cavalo do Mar. No mesmo ano é vencedor do Primeiro Concurso de Poesia organizado pela Fundação Fernando Leite Couto com o livro Descrição das Sombras.
Fotografia de capa: Marcos Ferreiro
You might also like
More from Macvildo Bonde
“Um deus salgado na língua” por Macvildo Bonde
1. A foz do tédio atola a vaidade da maçaneta, rompe o mistério pendurado nos fios de algodão agreste. Entoo uma …
“Notas soltas” por Macvildo Bonde
Como se trama o tédio? Dentro das águas do Danúbio se esconde uma verdade, ensaio todas as madrugadas nas palavras de …