1.
A foz do tédio atola a vaidade da maçaneta, rompe o mistério pendurado nos fios de algodão agreste. Entoo uma canção, o aguilhão do medo nas horas densas. Os braços ocos pela magia do metal, perturbam a quietude da noite, despem nos olhos, a frontalidade da palavra.
2.
Não oiço a voz, a tristeza nos olhos da noite. As letras, as palavras desenham as paredes do universo, baloiçam nas avenidas do meu tempo. Continuo na penumbra do vácuo, os frutos do verão apodrecem indefesos nas árvores, os pássaros famintos abandonam a quietude do voo, meu ser ofegante na alvorada busca um rótulo na virgindade do papel. Quero estender no asfalto a, minha, voz interior, serpentear nos olhos da vela descerrando o caos do fogo extinto. Regresso ao vácuo, tomo um golo de cerveja, absorvo as bolhas que dançam na boca do copo. É tudo o que sinto: o frio dos pés, o silêncio da língua, a amargura nos lábios, a imensidão das mãos cartando palavras ao entardecer. Toda a bravura nos meus cabelos esfumou-se na inocência da voz sem idade, no devaneio do escuro que agora me cobre a dor.
3.
Hoje absorvo todas as verdades no interior do verso. Queria ter outro paladar na sombra da língua, outras longitudes com as quais amaino o tédio. Como sofrer com o paladar na boca?
*
M.P. Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) Jovens e Amigos da Cultura entre 2003-2004. Em 2004 é convidado para fazer parte do grupo Arrabenta Xithokozelo onde animam as noites de poesia e música no Modaskavulu do Teatro Avenida. Tem textos publicados na colectânea Arqueologia da Palavra, e em revistas electrónicas. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária com o título Ensaios Poéticos pela Cavalo do Mar. No mesmo ano é vencedor do Primeiro Concurso de Poesia organizado pela Fundação Fernando Leite Couto com o livro Descrição das Sombras.
Fotografia de capa por Marcos Ferreiro.
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