À Ana. À Chica. Ao Chico e à Papoila. À Besta. À Estudantina e a todos e todas que, (in)felizemente, a nós se juntaram.
Hoje, dia 12 de Abril de 2016, marcam-se dois anos do primeiro evento organizado por um colectivo que se afirmou, precisamente em meados de 2014, como A Besta – colectivo artístico (porque reúne uma série de artistas ligados a projectos musicais, literários e plásticos), editorial (porque edita os trabalhos sonoros dos projectos que se agregam por via dos membros) e independente (porque não usa fundos, porque não tem fundo, porque faz questão de levar a ideia da edição de autor ao extremo de gravar cassetes em tempo real num 3º andar de Carcavelos, e cortar e dobrar cartolinas noutro lugar qualquer, porque distribui edições como bilhetes de concertos, porque colabora com eventos e associações também elas independentes, por natureza ou espírito).
Encare-se este nostálgico texto como algo extremamente pessoal, um ponto de vista individualizado. Não pretendo traçar a história d’a Besta, mas sim frisar a importância extrema que teve, para mim, esse 12 de Abril de 2014.
Por um lado, toquei com o Nuno Mangas-Viegas e com o convidado José Santos (a-nimal) para encarnar o espírito de O Deserto, ep saído também 2014 de O Poema (A)Corda. O Deserto é o assumir da distância entre mim e o Nuno, assim como o aproveitamento dos poucos fins-de-semana que passou na minha casa, vindo de Tavira no Bixo metálico na eminência da morte, por pretexto de um concerto. O Deserto foi gravado nesse mesmo terceiro andar com o pretexto de nos confirmar a persistência de um projecto de música e poesia que, desde 2009, correra Évora, Montemor-o-Novo, Cáceres, Placência, Don Benito, A Corunha, Ferrol, etc…
Por outro lado, estreámos Deslize, eu e o Hélder Azinheirinha. Curiosamente, Deslize é também um projecto marreta, no sentido em que afirma e assume da mesma forma a distância (um pouco menor, uma vez que o Hélder está em Montemor-o-Novo e, por isso, mais perto da área lisboeta do que o Nuno Viegas), mas também a amizade e companheirismo (a familiaridade que a música foi embalando) desde 2006/2007 entre nós. Deslize é o projecto que nunca tínhamos feito, mas que sempre sabíamos que íamos fazer. «Eh pá! Ainda há uns dias pensei, “tenho de falar com o João, porque ando mesmo a precisar de maneiras novas de tocar guitarra…”, e agora apareces-me com umas pinças de ferro e umas molas para pôr nas cordas da guitarra!». Disse-me o Hélder isto, no fim de 2013, quando estávamos em Castelo Branco para cumprir serviços técnicos num evento holístico em Idanha-a-Nova (organizado e promovido pela senhora minha mãe, com quem por vezes preformamos num concerto meditativo com guitarras e mantras cantados). Enquanto esperávamos pelos ensaios e trabalhos em Idanha, ocupávamos um sótão em Castelo Branco com as duas guitarras, um Zoom H1, pinças, molas e clips, e uma garrafa de vinho (só para mim, que o Hélder de vinho só a alcunha). Deslize gravou a 1 13 14, uma DEMO instantânea que serviu apenas para perceber algumas: em Deslize quem manda é Deslize; vamos usar outra frequência para afinar o Lá; vamos fazer Deslize em qualquer canto de qualquer maneira.
Finalmente, 12 de Abril de 2012 acontece e marca-nos profundamente. O Deserto Vivo é gravado precisamente nessa noite, nesse concerto, com vários amigos a comparecer no concerto na Estudantina de São Domingos de Rana (Mário e Susana Alcântra, o Miguel e a Catarina, o Pedro Amorim, os associados persistentes da Estudantina, os amigos da recém-formada Besta). O primeiro concerto de Deslize confirma-nos a independência e estranheza do projecto e, passado alguns meses, acaba por definir o que seria e não seria Deslize.
No dia seguinte tenho a notícia de que a minha gata, companheira e amiga de um ano, a Chica, falece no veterinário, depois de um mês de luta e internamento que ninguém merece. Durante um mês andei à procura de uma parte minha que morreu também… não a encontrei. Antes a preenchi com o O Deserto Vivo que dali voou para mais dois concertos (em Oeiras e em Tavira), e com Deslize que daí tocou e gravou vários álbuns: Ao vivo no Telheiro, tocado em Montemor-o-Novo na Cidade PreOcupada (marcando também o contacto primeiro entre A Besta e stress.fm), Setembro, resultado de um ensaio na Estudantina e um concerto no Festival Condomínio (Lisboa), Bartôbro, gravado num concerto no Bartô do Chapitô, com a Associação Terapêutica do Ruído como parceira, e o Miguel (na altura no Bartô) como um eterno novo amigo d’a Besta; e ainda a primeira edição em cassete d’A Besta, a ?/!, mistura de um ano de gravações em todo o lado, com toda a gente.
Não me quero estender muito mais. Desde então A Besta viu nascer novos projectos (Cicuta, Cardíaco, Verme, Subasement, Projéctil, Nervo, Hérnia), viu novas caras, trabalhou e trabalha com Associação Cultura no Muro na Smup (Parede), encetou uma recente colaboração com a Zaratan – Galeria de Arte Contemporânea, estreitou laços com a Stress.fm, organizou noites e tardes da Besta, participou nas Feiras Mortas, gravou horas de ensaios, concertos e outros devaneios; não esquecendo a estreita ligação criada com este mesmo portal, abrindo portas para a composição de Tartaruga, álbum conjunto do Grupo Surrealista Galego e de Deslize, a sair no dia 17 de Maio.
Mas é o dia 12 e Abril que sempre me assola, quando procuro ainda uma parte de mim que se foi, porque novas partes se criaram… no fumo, no espectro, na sombra. A Chica foi-se, mas vieram o Chico e a Papoila para me acompanhar a mim, à Ana e à casa… para nos fazer crescer e aprender a sermos um e todos, a sermos criaturas, humanas e não só… E, devagar, muito devagar, vamos construindo algo de que, em primeiro lugar, nos orgulhamos e, em lugar de zero, nunca precisou de uma máquina de interesses, egos e dinheiros para se afirmar como alguma coisa. Somos tudo! Somos nada!
Dois anos de Besta e já estou armado em chorão!
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