Eduardo Henrique de Lima Metzner nasceu em Lisboa em 1889 e aí faleceu (tuberculoso) em 1922, após vida difícil e conturbada. Da sua infância e juventude pouco se sabe, a não ser que terá sido educado na Casa Pia, instituição criada em Lisboa, em 1780, por Pina Manique, intendente-geral da Polícia, no reinado de D. Maria I. Essa instituição (que ainda hoje existe, ligada sobretudo ao ensino técnico-profissional) visava a educação dos órfãos e a recuperação, através do trabalho, dos mendigos e dos vadios.
Boémio e noctívago – às vezes porque não tinha dinheiro para pagar um quarto em que dormir –, Eduardo Metzner manifestou desde cedo, segundo pode ler-se na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,“tendências revolucionárias, impregnadas de um azedume letal”. Na nota biobibliográfica aí publicada, lê-se ainda: “Dispersou o seu belo talento por várias redacções que o aproveitaram ingloriamente, e expandia-se numa boémia mórbida que o fazia mergulhar cada vez mais no pessimismo. Minava-o a tuberculose que ele cuidava, passando, dias e dias, mal alimentado e com repetidas goladas de conhaque. Ainda assim ia enchendo colunas e colunas de prosa revolucionária e compondo versos, em que se notava a chama do seu talento. O último jornal em que trabalhou foi n’A Pátria”.
É justamente em A Pátria que, no dia 21 de Fevereiro de 1922 (dia seguinte à morte do poeta), num esclarecedor e comovente artigo se dá notícia daquele que viria a ser o seu livro póstumo Diamantes Negros. Aí se lê: “Eduardo Metzner vinha escrevendo uma colecção de sonetos que revestiam uma nova expressão do seu sentimento estético, alguns dos quais duma grande beleza clássica, que lhe marcariam o definitivo lugar entre os nossos poetas. Pensava publicá-los em livro. Não viu, o pobre cantor vencido, realizada essa aspiração da sua alma”. Um desses sonetos era o seguinte:
O Cristo Vermelho
Na antiga catedral de rendas bizantinas,
entre o fumo do incenso a subir, calmo e lento,
chagas em rosa cruz, rubro de turmalinas,
vejo um Cristo vermelho e de olhar truculento.
Evolam-se orações. Lá fora, geme o vento
um responso. No véu fechado de neblinas
vaga a tristeza negra, imensa do tormento
que aflige o mundo todo em convulsões leoninas.
E o Cristo, contemplando a multidão de rojo
a seus pés, a rezar, cheio de tédio e nojo
clamou em voz vibrante, incisiva, estentórea:
– Como Lázaro, o vil leproso de Betânia,
Povo, surge e caminha! Sai da tua insânia!
Acorda, vai cumprir teus destinos na História!
O livro surgirá finalmente em 1925, saído da gráfica da Empresa Editora e de Publicidade “A Peninsular”, Limitada (Rua da Vitória, 55 – Lisboa). Foi publicado com um artigo-prefácio de Bourbon e Meneses, intitulado “Uma figura estranha e dolorosa”. Datado de Fevereiro de 1922 e escrito por altura do internamento do poeta no Hospital de S. José, a breves dias da sua morte, mais que uma introdução à vida e obra de Eduardo Metzner, esse texto parece ser, sobretudo, um cruel e despropositado ajuste de contas com um moribundo.
O facto de Eduardo Metzner ter sido monárquico e comunista (foi tradutor de Trotsky e pertenceu aos primeiros órgãos dirigentes do Partido Comunista Português) talvez não seja alheio ao azedume com que foi tratado pelo jornalista Bourbon e Meneses, que o acusa, entre outras coisas, de ter atacado os republicanos “em alexandrinos flamejantes”, redigido “apologias da restauração” e ter feito “jornais monárquicos”.
Diamantes Negros, como pode ler-se no Diário da Tarde (11/12/1925, p. 5), teve uma edição “muito restrita”. É hoje um livro raríssimo. Só há poucos anos é que a Biblioteca Nacional conseguiu um exemplar (por doação particular).
Para além de Diamantes Negros e daquilo que ficou disperso por publicações periódicas, Eduardo Metzner (que usou também o nome literário de Edo Metzner) é autor de:
Camões morto de fome: ao sr. dr. Teófilo Braga a propósito da santificação do aniversário da morte do cantor das glórias nacionais, s/d.; Os deportados! … crime de lesa-humanidade!, s/d.; No agonizar da monarquia: fragmento d’uma sátira ao último dinasta de Bragança, 1901; 2.ª ed., 1906; Seditiosa Verba (Aos académicos revolucionários), s/d. (1907?); A República é uma mentira politica: resposta ao opúsculo de Bernardino Machado “Só a República é a verdade”, 1908; Panfletos revolucionários – I – Acusação. A propósito dos últimos acontecimentos políticos, 1912; Falperra de gorro frígio, 1912; Os Bárbaros do Norte, 1915; Técnica de poesia: arte poética, s/d. (1918?); A verdade acerca da revolução russa: notas e impressões, factos e documentos, 1919.
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