Paulino António Cabral (que, não se sabe bem porquê, aparece também nas suas Poesias com o sobrenome Vasconcelos) nasceu na freguesia de S. Pedro da Lomba (do extinto concelho de Gouveia de Riba-Tâmega, no norte de Portugal), a 6 de Maio de 1719, e faleceu em Amarante (onde está sepultado na Igreja de S. Pedro), a 20 de Novembro de 1789. Eram seus pais João Cabral Moreira (médico) e Ana Cerqueira Pereira. Teve dois irmãos: Sebastião (nascido em Amarante, a 12 de Novembro de 1722, e de que nada mais se sabe) e Manuel (também natural da freguesia de S. Gonçalo de Amarante, onde nasceu a 2 de Maio de 1724, que foi Familiar do Santo Ofício, Desembargador da Relação do Porto e Desembargador da Casa da Suplicação).
Formado em Direito Canónico (ou Cânones, como então se dizia) pela Universidade de Coimbra (17 de Junho de 1741), Paulino António Cabral pastoreou interinamente a paróquia de Jazente, do concelho de Amarante (mas então do extinto concelho de Gestaço) desde 1748. Pouco mais de um ano após a morte do titular (Padre Caetano de Azevedo Pereira, falecido a 30 de Setembro de 1751), a igreja foi posta a concurso (10 de Outubro de 1752). Paulino António foi dos primeiros classificados entre os opositores ao concurso. A 26 desse mês, o Bispo do Porto, D. José Maria da Fonseca e Évora, manda lavrar um despacho em que considera o Padre Paulino António Cabral “por mais digno e idóneo para Abade da paroquial Igreja de Santa Maria de Jazente”. Em 22 de Fevereiro de 1753, tendo já chegado a Bula papal de confirmação, lavrou-se o respectivo “termo de profissão e colação”. Eis, pois, finalmente, de jure, Paulino António nas funções de Abade de Jazente, paróquia pequena (em 1758, segundo as Memórias Paroquiais, Jazente contava com 52 fogos e 159 habitantes) mas com um rendimento considerável para a época (300 mil réis anuais). Assim foi durante 30 anos. Em 21 de Janeiro de 1784, devido a doença, Paulino António Cabral passou à situação de Abade “reservatário” (com uma renda de 195 mil réis, que lhe era paga pelo seu substituto Padre José Luís de Queirós) e foi viver para Amarante (Rua da Portela, actual Rua Dr. Miguel Pinto Martins).
Do exposto não deve concluir-se que o Abade viveu isolado três décadas em Jazente. Muito pelo contrário. Foi, isso sim, presença assídua no Porto, onde frequentou o Paço e a melhor sociedade do burgo. A cidade, naturalmente, não lhe era estranha. Como se disse, seu pai foi aí cirurgião e seu irmão Manuel magistrado. Sabe-se, aliás, que com eles residiu numa casa da Rua Chã.
Das suas relações fizeram parte, entre outros, os 1.os Condes de Alva (D. João Diogo de Sousa de Ataíde e D. Constança Luísa Monteiro Paim), Manuel Cardoso Loureiro de Vasconcelos e Lacerda (Familiar do Santo Ofício), Teotónio Manuel de Magalhães e Azevedo (que às vezes aparece como “e Meneses”, natural de Amarante), Gaspar Pereira Ferraz Sarmento, D. Carolina Micaela de Sousa e Lencastre (Viscondessa de Balsemão) e José Moreira da Silva (Abade de Polvoreira, paróquia do concelho de Guimarães). A presença de Paulino António Cabral fazia-se notar não só por ser um “verdadeiro janota”, uma “figura apessoada e donairosa”, de “feições formosamente modeladas” (como refere o escritor Arnaldo Gama no seu romance Um motim há cem anos) mas também porque era então (ainda segundo o mesmo escritor) “um dos mais distintos poetas portugueses da época, a flor e a nata dos bardos do Porto”.
As suas poesias (sobretudo os sonetos) andavam de mão em mão. Nunca o nosso Abade mostrou grande interesse em publicá-los, nem sequer em arquivá-los. Só em 1760 é que deu à estampa um Romance hendecassylabo sobre o Terramoto fatal da cidade de Lisboa sucedido no primeiro de Novembro de 1755. Só já bem perto da sua morte é que um livreiro do Porto, Bernardo António Farropo (muito por causa “da controvérsia esquisita” de Paulino com Teodoro de Sá Coutinho), foi “picado” pela “curiosidade” de juntar as poesias que andavam dispersas (tarefa que mendigou “com indizível trabalho”) tendo persuadido (“com igual dificuldade”) que o autor as “reconhecesse” e as “retocasse”. Assim surgiram as Poesias de Paulino Cabral de Vasconcelos, Abade de Jazente, obra impressa no Porto, na Oficina de António Álvares Ribeiro. Corria o ano de 1786.
O sucesso da edição (que vendeu mais de dois mil exemplares em menos de seis meses) levaria Bernardo António Farropo (logo em 1787) a organizar um segundo tomo. Mas “com que trabalhos e fadigas” não ofereceu ele esse “presente” ao público leitor! Sabendo da “grandíssima indiferença” de Paulino António Cabral “para a glória da Poesia”, o editor dá-se novamente ao trabalho de “fazer muitas jornadas, para desencantar do centro de diferentes gabinetes” os “preciosos tesouros”, que ele próprio (“com o socorro de alguns curiosos literatos”) não deixará de rever e emendar. Isto significa, pelo menos, duas coisas: que o Abade de Jazente (provavelmente pelo agravamento da sua doença) não teve disposição para rever as poesias que lhe eram atribuídas e que o segundo tomo pode muito bem ter versos que efectivamente Paulino António não escreveu.
Depois da primeira edição, e até finais do século XX, as Poesias do Abade de Jazente voltaram a ser publicadas integralmente mais três vezes, sempre em Lisboa: 1837 (Typografia Rollandiana); 1909 (Parceria António Maria Pereira); 1985 (Imprensa Nacional – Casa da Moeda). No âmbito da evocação do II Centenário das Invasões Francesas (2009), a Câmara Municipal de Amarante publicou uma edição fac-similada da edição original.
Sobre os méritos ou deméritos da obra do poeta amarantino escreveram (entre outros) Júlio de Castilho, Júlio Brandão, Mário Gonçalves Viana, Jacinto do Prado Coelho, Miguel Tamen e Francisco Topa. O leitor (se estiver disponível para essas leituras) fará o seu juízo relativamente ao que os referidos críticos literários disseram.
Presença assídua nos seus sonetos é uma figura feminina, a que Paulino António chama amorosamente “Nize”. Esta mulher, cujo nome verdadeiro se desconhece, foi sua musa e sua amante. Terá sido também ela a mãe de José Luís da Silva, filho do Abade de Jazente? A pergunta fica, naturalmente, sem resposta, já que a não dão os respectivos registos de baptismo e de casamento (onde surge como “Ingeitado”, isto é, filho de pais incógnitos); daí permanecer a dúvida, até porque se sabe ter sido intensa (e atribulada) a vida amorosa do fogoso Abade e poeta amarantino.
Nascido na vila de Amarante, e aí criado em casa dos pais do Padre Manuel Taboínha, colega e amigo do Abade de Jazente, José Luís da Silva foi mandado por seu pai para o Brasil aos 16 anos de idade. Regressaria a Amarante, vindo do Rio de Janeiro, em 1783. No ano seguinte (14 de Junho de 1794) casaria na Igreja Paroquial de Jazente com Maria Josefa Monteiro, da Casa de Cima de Vila, dessa freguesia. Embora o registo de casamento tenha sido assinado pelo Abade José Luís de Queirós, terá sido o próprio Abade Paulino António Cabral a celebrar a cerimónia matrimonial de seu filho.
Desse casamente nasceriam (de 1785 a 1808) nove filhos (quatro rapazes e cinco raparigas). Nove netos, portanto, do Abade de Jazente. Três deles (José Joaquim, Francisco e Joaquim) partiram da cidade do Porto, no brigue Flora, rumo ao Brasil, em 24 de Abril de 1812. O primeiro dedicou-se à vida religiosa, no Rio Grande do Sul, após ordenação na cidade de S. Paulo. O que não o impediu (diga-se) de se tornar também fazendeiro, em 1829, no município de Pelotas, do referido Estado do Rio Grande do Sul, após parceria com seus irmãos Joaquim (1820) e Francisco (1824) em negócio de escravos.
Paulino António Cabral, como se disse, faleceu em 1789, ano do início da Revolução Francesa (acontecimento de que, seguramente, lhe chegaram os ecos). Que se saiba, nada escreveu sobre o assunto. Mas a França não está ausente da sua poesia. E o “mundo” que os franceses encontraram em Portugal, particularmente em Amarante, está sobejamente retratado na sua obra. Nesse aspecto (entre outros, naturalmente) a poesia de Paulino António Cabral é um documento importante para todos quantos pretendam compreender algumas realidades sociológicas (e psicológicas) de um país que gastava “cruzados mil a mil / inda que a renda seja tal ou qual”. Portugal, ontem como hoje (como diria o Abade poeta), “enquanto não chega o S. Miguel” persiste em fazer sempre o mesmo “papel”.
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