Esses dias li um post de um amigo dizendo sobre a necessidade da Poesia, de não conseguir viver sem a bendita. Acho que também não viveria sem ela, tampouco sem palavra, mas talvez sem a necessidade de ler e escrever, pois mesmo que hoje essa querência seja irreversível, houve um tempo que isso não era fundamental pra mim.
Quando miúdo, sonhava ser jogador de bola, o restante não fazia muito sentido, gostava de batucar e versar no terreiro do peito, na pele do meu corpo-tambor, de ouvir lamentos de mandingas e bambas ou as prosas dos nego-véio nas pirambeiras daqui, mas não associava isso com a Poesia.
Hoje ela está comigo desde cada alvorada, quando verso preces, mentalizo boas energias pro dia que chega, agradeço a última lua e reparo nos cochichos do silêncio. Confio que parte da minha escrita são sopros, fios de vida que vertem cifras de palavras em mim. Uma Vózinha de Aruanda confirmou essa intuição: “Muito do que você escrevinha são seus protetores que te contam, pequeno”, e foi assim que entendi porque a Poesia tem nome próprio.
Dia desses um Caboclo me contou sobre uma missão com o conhecimento e o escambo das artes, sobre as intimidades com esse mote, que vem de tempos antigos, e da força que as leituras têm pra guiar veredas futuras. Acredito! Okê Caboclo! Aliás no mundo sagrado o que não falta é a Poesia, não só pelos verbos, incensos e cores que cada energia oferenda pra gente, mas mesmo nos nomes, fiquei admirado quando conheci o Sr. Laroyê do Sol, que nome gracioso, é inevitável, lembro dele em todo amanhecer.
Assim as bigornas da minha alma têm permitido a alquimia de aços em águas, as quais tenho navegado pra encurtar as beiradas do meu mundo. Em cada pontinha de mar faço questão de banhar minha coroa, pra ser fértil e multiplicar voltas, assim cultuo a Poesia e rego as palavras da minha passagem.
De noitinha o ritual chave é fazer leituras pra minha pequena. Imagine que ela andou pelos vilarejos de Luanda, viu letras penduradas nas barbas do Tio Rui e escreveu uma carta prum concurso de rádio pra ganhar uma bicicleta sem nem sair da cama, vai-vendo… Talvez é por isso que a Poesia, falada ou escrita, abre trilhas dentro da gente e alimentam nossa secura de beber verdades de mentirinhas.
A Poesia mora na imaginação, na nossa capacidade de ficção, no desejo sagrado de uma breja no fim da tarde, no abraço-alegria da pequena na volta da escola ou quando Dona Elisa diz que no verão “o calor é tanto que chega derreter a roupa no varal”.
Persigo saber onde fica a encruza, a mão dupla e a bifurcação entre oralidade e escrita, reconheço que esse encontro é um prisma que vai além do ringue capenga entre isso ou aquilo outro, onde não cabe a desculpa-muleta da “voz ser a rainha e a escrita um anjo torto”. Nessa busca encontrei a Poesia no silêncio das páginas e na ventania da voz, na íris cerrada e nas miradas da vida, por isso eu até viveria sem ler, escrever ou sem literatura, mas como disse meu amigo, jamais sem a Poesia, pois ela é, e continuará sendo, a força motriz no suador das minhas crias.
Michel Yakini é escritor e produtor cultural.
NOTA: a foto do autor é de Sonia Bischain.
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