Na Galiza o idioma patrimonial esmorece, esmagado pelas forças do chamado auto-ódio –que já vem de longe na História– e do centralismo espanhol, que trabalha desde a Caverna Madrileno-Sevilhana para fazer com que nada periférico sobreviva (Sevilha não é periferia mas centro de “Cultura Nacional” que floresce nos tablaos flamencos de Madrid).
O povo galego tem muito que lhe ser perdoado pois seis séculos de “doma e castração” introduziram no pensamento geral que o castelhano é a língua para aprender e o galego a que não importa esquecer. Eis logo que as mães galegas levem outros tantos séculos a negarem a fala aos filhos, e mesmo as avós aos netos. De facto, poder-se-ia falar na Galiza dum “linguicídio por via materna”.
Hoje as mídia percutem duramente com o castelhano nas mentes dos rapazes e a escola não é capaz de fazer tornar a maré (porque o governo –da direita espanholista– treme como vara verde quando ouve a frase “imersão linguística no galego”). Mas, no entanto, vem à Corunha o Sr. Presidente da República Portuguesa e assina protocolo de facilidades para o português ser ensinado nos liceus galegos. De imediato a Irreal Academia Galega manifesta-se alvoroçada e chega a dizer que o português vai trazer para a Galiza uma fonte de contraste vocabular, ótima para a recuperação de termos galaico-portugueses substituídos na Galiza pelos correspondentes castelhanos.
Muito bem. Ora, o observador que –por culpa da idade– já há tempos que anda a ver o desastre linguístico ao norte do Minho, não pode deixar de se preocupar gravemente com um fato descoroçoador: desde a promulgação da Lei de Normalização Linguística até hoje perderam-se trinta anos de aproximação entre as duas formas oficiais do idioma comum a ambas as bandas do “Rio Pai”.
Houve uma etapa da luta pela dignidade do galego em que se estivo perto de conseguir o consenso sobre a grafia. Ninguém negava que as morfologias do galego e do português fossem suficientemente distintas como para ninguém renunciar às suas peculiaridades; mas a grafia histórica do galego era um facto tão inegável como o outro que esgrimiam os partidários da grafia demótica: os séculos de alfabetização exclusiva em castelhano iam dificultar aos galegos a compreensão do idioma escrito.
A nossa resposta na altura (e refiro-me aos “integracionistas”, não “reintegracionistas”) foi que o tempo havia de passar, as novas gerações aprenderiam na escola a pronunciar o galego escrito com jeito e, afinal, se estaria a produzir a convergência de “formatos visuais” de galego e português.
Não faz falta recordar que perdemos a batalha, comandada pelo Professor Ricardo Carvalho, quem se converteu na besta negra da Academia e os sequazes do poder de Madrid. Estes dias, quando a Academia prepara lembrança –e a Junta da Galiza, festa pública– de Filgueira Valverde, um tem vontade de bater ás tumbas daqueles responsáveis do erro normativo e perguntar-lhes quem teve melhor visão, se eles ou nós…
Mas isso é impossível e, postos na realidade, de novo alguns pensamos que se deveria tentar a convergência visual do galego e o português, por duas razões: para que os galegos voltem ao que nunca deveram deixar e para os portugueses não verem no galego apenas uma forma de castelhano com termos que lhes são familiares.
Chegados a esta altura, Junta e Academia deveriam ver com vista de hoje, dos tempos em que só existe o que existe na web, e pelo menos, teriam que levantar o anátema aos galegos que queiram exprimir ideias e sentimentos em forma purista.
Não estamos em democracia? Por que, então, reprimir –com descaro de boletim oficial– aqueles produtos da escrita que não seguem o formato demótico?
Se os senhores da Junta do Impaís e da Irreal Academia viajassem e vissem mundo, talvez dessem de rosto com o caso da Noruega, onde, livremente, por escolha pessoal, a gente escreve Norsk ou Ny Norsk, ou seja: norueguês ou novo norueguês. Cada quem escolhe, e mesmo vota na câmara municipal a escrita de relação entre regedores e vizinhos.
A Conselharia de Educação e Cultura da Junta tem um novo titular do que se diz que “é galeguista e muito aberto”. Com a Academia pouco se pode contar pois, na sua endogamia debilitante, foi-se enchendo de pessoas sem visão moderna, e alguma tristemente aldeã. A minha proposta desde Palavra Comum é que organizações contrárias à censura ortográfica não deixem correr mais tempo. A Associaçom Galega da Língua, a Academia Galega da Língua Portuguesa e –com todo o seu peso popular– a Mesa pela Normalização Linguística, devem elevar ao terreno político uma “proposta de liberdade de expressão escrita do galego”.
O assunto, senhores, é de política, não de instituições obedientes (pela manutenção) da Administração. Já sancionarão os académicos quanto os políticos lhes indicarem depois de terem ouvido todas as partes. Qualquer político informado que contrastar os curricula dos membros da AGAL, da AGLP e da MNL com os da Academia logo verá quanto conhecimento de língua e sócio-linguística há nas primeiras e que pouco na caduca Academia da Rua das Tabernas (salvas nela meia dúzia de personalidades).
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