A multidão se procura velozmente dentro da mulher levitante, entoando dores transformadas em casas a arder nas gigantescas bocas da obscuridade, as mães sentem o odor das sombras do sangue ressoado, reproduzido nos pulmões espasmódicos das crianças e a rosa negra do Rio Eufrates-de-Janeiro, de Halfeti, de Siyah gul da Cinelândia ergue-se na cabeça alta do mundo, nas órbitas da encarnação inominável, nos sussurros da eternidade, tecendo a fulguração dos cânticos, a excrescência das palavras do vazio, a musicalidade dos nomes insondáveis com todos os dons das cidades desconhecidas, com as nervuras dilaceradas entre universos sem história: os pulsos vibram juntamente com as ossaturas extasiadas dos pés de quem leva a garganta no tempo puro da resistência e faz da batida dos olhos um jogo da infância alucinada, uma duração contagiante que insufla a corporificação do silêncio porque os punhos hirtos multiplicam-se entre campos de espelhos quebrados pela insânia criativa de quem ressuscita defronte à putrefacção dos algozes, SIM, entre relâmpagos silenciosos existem sempre forças puras do tempo que nos atravessam grávidos de afecções compositivas: são corpos voltados, transcodificados para dentro do pensamento energético, é uma visão vazada nas pedras das candeias, todos os olhos são imensuráveis, todos os gritos desenham os mapas à deriva com as batidas do sangue em queimação, há uma aterradora úlcera nas onomatopeias fabuladoras, há uma tremenda golpeadura a desfraldar os frios cranianos, os corpos avelados, estrangulados, desfigurados: há uma língua a brilhar dentro de povoamentos agramaticais, um rosto anónimo descerrando e cerrando a fornalha dos dias, há vértebras devoradas pelas garras das ofídeas, há fossas de guilhotinas, há óbitos antecipados___há uma mulher morta porque tem rosas do deserto de ATACAMA a borbulharem nos seus poros, uma mulher com um incêndio cósmico a enlaçar a linguagem de uma terra muda, com alvéolos meteóricos, é o prodígio da clorofila do caos, é o arrepio tensionado da suspensão, são as mandíbulas baptismais de quem rasga a hemolinfa dentro da própria língua, é a força nocturna xamânica, é a voltagem das deusas que cosem as suas próprias feridas, sim, as deusas dentro dos seus corpos resplandecem e sempre nos vão procurar com os lábios insaciáveis da gestação das artesanias, sim, despedaçarão desabaladamente aguilhões para nascerem parteiras de cartografias hermafroditas que reinventam o humano e afirmam a arte da vida contra os hospícios insonoros! Mulher em cada teu grito a multidão respirará o tempo que recomeça na película pulsante da tua pele: em cada GRITO se inventará novas forças maternais que navegarão intensivamente no sangue do mundo, em cada GRITO o argamasso puníceo abrirá a vastidão, em cada GRITO um ventre levantará milhares de almas nómadas que beijarão a vida descomunal, em cada GRITO uma espera caleidoscópica abrigará uma veia rebentada…,…em cada dor uma expiração rodopiará a pedra-do-medo, desfazendo-a!
Marielle Franco, socióloga, activista e vereadora no Rio de Janeiro foi brutalmente assassinada a 14 de Março de 2018.
foto de Marielle Franco por @ninja
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