Escutando a Rádio Galega pude comprovar um fenómeno curioso: falava a conselheira de Sanidade do governo da Junta da Galiza sobre os problemas deste Impaís Moribundo onde os velhos são cada dia mais, e menos os novos para os manterem. A senhora dava uma rica mostra da confusão que têm os de sempre, a Sempiterna Dereita, em relação ao idioma patrimonial da Galiza, que eles só usam em ato público para não os podermos acusar de anti-galegofalantes.
Não era capaz de manter a continuidade dos termos em galego, saltava com eles deste idioma para o equivalente castelhano; umas vezes dizia “ninguém” e outras “nadie”, “ainda” e “todavia”, “xeral” e “general”… Mas houve um momento supremo de confusão: disse um termo corretamente em galego e aí é que o seu pobre cérebro falhou porque a seguir se corrigiu passando ao castelhano… em lugar te ter feito o contrário pois ela pensa em castelhano mas tem a mente preparada para corrigir ao galego. Primeiramente disse “Nixéria” e, de imediato “Nigéria” (falava do terror do Ébola, claro).
Ia eu a conduzir o carro por caminho rotineiro e não me distraí com os pensamentos provocados por esta desvergonha:
A direita de obediência madrilena, como é o chamado Partido Popular de Galícia, inventor da falácia do “bilinguismo harmónico”, sabe que a maioria do povo galego suporta a vergonha histórica da fala B no sistema diglóssico, fomentada pela Administração Civil e pela Igreja de Roma (melhor dito, da Castela). Portanto, no fundo pensa que os votos lhe vão vir mais abundantes se deixarem o galego morrer de morte morrida (quando os velhos forem embora, um problema menos).
Mas têm que guardar as formas e não se atrevem ao que lhes demanda uma gente fora de contexto como os de Galicia Bilingue e algum imigrante de casta superior a quem molesta tudo menos as vieiras (palavra já esquecida em castelhano: não há madrileno que saiba o nome na sua língua, “veneras”).
Por isso é que o Partido Popular de Galícia nunca entrou ao fundo da questão, apesar de que conheça argumentos poderosos a favor duma singela revolução. Sabe perfeitamente que os média em castelhano obrigam qualquer pequeno galego a aprender o idioma sem sequer tê-lo que ouvir na escola. Sabe que o galego não é uma língua isolada no mapa europeu mas um elemento dentro dum sistema de cobertura transcontinental. Sabe que é bom para os meninos brincarem ao salto entre idiomas semelhantes porque isso os predispõe naturalmente para maiores saltos, a línguas afastadas das que ouvem diariamente. Sabe, por fim, que, frente à desídia das famílias, a aprendizagem da fala dos avós se pode fazer perfeitamente no meio escolar.
Perderam-se trinta anos de “harmonia bilinguista” (desde a Lei de Normalização Linguistica da que já temos falado na Palavra Comum) e as pessoas que conformam hoje o governo da Junta saíram do bacharelato a caminho da universidade incapazes de se exprimirem indiferentemente nos idiomas que poderiam ter adquirido corretamente. São vítimas dum erro histórico, mas converteram-se em falazes executores da política que lhes transmitiram os seus padrinhos.
É muito significativo como reagiu o governo do PPdeG quando entrou de novo no poder logo da queda do bipartito PSdeG-BNG: tudo o que os perdedores tinham preparado para a aprendizagem efetiva do galego na escola foi banido.
O curioso é estes insensatos pensarem que os observadores do desastre não vemos como mentem. Não saio do assombro que me causou ouvir-lhes dizer que não importa que por primeira vez na História da Galiza, desde que há registos de atitudes na fala, haja menos dum 50% de falantes monolíngues do galego.
Dizem os canalhas (posso usar o termo?) que é porque aumentou o bilinguismo. E quiçá –se o olharmos com cautela– não mintam: porque se referem a um falar hesitante e ridículo como o da senhora conselheira de Sanidade (por certo, médica de formação da que se espera que não tenha um comportamento tão dubitativo como quando tenta falar como falaram os seus avós).
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