Em 2013, fomos surpreendidos com um processo iniciado nas redes sociais nunca antes visto no âmbito das populações. Esse acontecimento consistiu numa forma muito peculiar, através da conexão dos computadores e celulares, pertencentes a uma significativa quantidade de cidadãos. Iniciou-se um processo que surpreendeu a todos. Observou-se pela primeira vez que esse processo se iniciava pelas mãos dos cidadãos, ganhava o ciberespaço e as ruas. Indubitavelmente o ciberespaço estava sendo habitado e transitado pelas massas, porém, de forma totalmente desconhecida.
Esse processo se mostrava de natureza irreversível, pois os processos políticos democráticos que funcionam pela representabilidade estavam perdendo exclusividade. Uma outra forma direta de participação popular estava surgindo com intensidade. Estamos falando da apresentabilidade direta das questões políticas no mundo democrático. Com a evolução da tecnologia comunicacional que possibilitou o aparecimento das redes sociais e hoje elas são muitas, WhatApp, Instagram, Facebook, Twitter e outras, foram possíveis expressões midiáticas tidas como impossíveis até então. Uma outra dinâmica midiática se apresentou em uma intensidade tão alta que as possibilidades de simbolizações dessas produções ficaram difíceis de serem processadas.
Não temos mais tempo cronológico possível para dar conta de um mundo intenso que está surgindo com esse avanço tecnológico.
O processo tradicional representativo precisa de um tempo lento para que o seu processamento e metabolismo ocorram. Necessitam de um tempo linear, cronológico, para que possam deixar registradas suas impressões com clareza. Um outro tipo de tempo, real, cronológico, intenso, está surgindo via ciberespaço e gerando consequências jamais vislumbradas pelos homens. De fato, a apresentação imediata de questões de todas as ordens, em tempo real, está sendo possível se viabilizar.
Nesse contexto virtual a passagem da apresentação das questões para as representações e simbolizações estavam chegando ao limite e consequentemente gerando um transbordamento. Esse é o mundo que está despontando em nosso horizonte. Não temos mais tempo cronológico possível para dar conta de um mundo intenso que está surgindo com esse avanço tecnológico. O tempo não se mede mais só com relógios cronológicos convencionais. Vivemos em um tempo acelerado, muito diferente do habituado e rotineiro tempo cronológico das antigas gerações, o virtual com suas idiossincrasias está se impondo.
Somente essas ponderações já nos trazem grandes modificações nos campos filosóficos, sociológicos e, consequentemente, alteram as formas de subjetivações na contemporaneidade. Com todas essas modificações, as questões éticas saltam para um primeiro plano e muito precisa se pensar no campo do Direito. Tudo isso altera muito as noções de tempo e espaço que temos desde Kant, para quem as noções de tempo e espaço para o ser humano eram um conhecimento a priori, ou seja, nasceríamos com essas potencialidades.
A partir de Freud, o tempo e o espaço também são construções. Portanto, o tempo virtual, assim como os sonhos noturnos, se passam de forma diferente do que o tempo cronológico, o que nos trará grandes modificações nas formas de vivenciarmos o século XXI.
Essas ponderações anteriores serão importantes para compreendermos a transição das Sociedades de Massas para as Sociedades de Matizes.
As sociedades de massas se caracterizavam pela indiferenciação entre os sujeitos que estavam nelas mergulhados. Os sujeitos se dissolviam nas massas, característica principal demonstrada por Freud em seu livro “Psicologia das massas e análise do eu”, de 1921.
Com essas dissoluções dos sujeitos nas massas, um outro desdobramento ocorria nesse acontecimento, consubstanciado na possibilidade de um líder assumir o comando e um fenômeno de manada ocorrer. Todos se entregavam à crença de que aquele líder era o condutor absoluto. As subjetividades jaziam nesse momento e uma voz uníssona de comando iria dar o tom imperativo a todo o processo.
Outras potências pulsionais que agora povoam o ciberespaço começam a se organizar desde as mãos que teclam os seus celulares até suas atualizações em pessoas nas ruas.
Esse processo descrito toma uma outra forma completamente diferente com o advento das redes sociais e a ocupação do ciberespaço pelos inputs dos matizes. Os matizes somos todos nós nos momentos em que estamos nos comunicando pelas redes sociais. Esse processo, em seu desenrolar, também produz novas auto-organizações nas formas de proceder nos seios das culturas.
Portanto, diferentemente do que acontecia na dissolução dos sujeitos nas formações das massas, os matizes começam a compor um novo quadro, uma nova paisagem começa a surgir no instante em que estamos postando em nossas redes.
Isso ficou claro no Brasil de 2013. Muitos postavam, aleatoriamente. Em um segundo momento, aglomerados de pessoas começaram a se juntar nas ruas, manifestando posições e ideias através de gestos e cartazes, muitas vezes contraditórios e no início bastante confusos.
Hoje, cinco anos após, começamos a perceber que toda a nossa política partidária continua a existir para o bem de nossa democracia, mas, ela não é mais a mesma. Uma nova maneira da democracia se expressar está em seu nascedouro. A representabilidade política continua a existir, porém, uma nova maneira direta de apresentar a vontade de milhões de pessoas através dos matizes das redes sociais é uma realidade. Essa nova auto-organização produzida pelas redes sociais se fez mostrar nas últimas eleições presidenciais. As antigas estratégias políticas mostraram o seu esgotamento.
Essas outras potências pulsionais que agora povoam o ciberespaço começam a se organizar desde as mãos que teclam os seus celulares até suas atualizações em pessoas nas ruas. Os efeitos desse processo atingem as subjetividades e todas as instituições. Nesse sentido, as democracias ficam enriquecidas e paradoxalmente atos de barbárie surgem também, outra vez o Direito precisa estar em consonância com estes novos tempos.
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Alcimar Alves de Souza Lima. Médico Psiquiatra e Psicanalista, professor do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Ex-presidente da Associação Psiquiátrica do Vale do Paraíba.
Fotografia de capa por Alcimar Alves de Souza Lima.
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